A Comissão de Segurança Pública do Senado, presidida pelo senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ), deve concluir, até a próxima semana, um relatório com informações, documentos e mensagens apresentadas pelo perito Eduardo Tagliaferro. Em audiência pública na última terça (2), Tagliaferro revelou como produzia, no Tribunal Superior Eleitoral (TSE), relatórios utilizados pelo ministro Alexandre de Moraes para censurar e investigar políticos, jornalistas e ativistas de direita.
O relatório da comissão consolidará o depoimento de Tagliaferro e as evidências de atuação irregular da equipe de Moraes nos inquéritos que o ministro conduz no Supremo Tribunal Federal (STF) sobre “fake news” e “milícias digitais”.
Na próxima terça (9), os senadores do colegiado devem se reunir novamente para conhecer o relatório e depois encaminhá-lo para diversos órgãos de controle: STF, TSE, Procuradoria-Geral da República (PGR), Conselho Nacional de Justiça (CNJ), Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) e Ordem dos Advogados do Brasil (OAB).
Além dos órgãos, o relatório será enviado ao governo dos Estados Unidos, detalhando não apenas a atuação de Moraes, mas também a do procurador-geral da República, Paulo Gonet. A medida consta em requerimento aprovado pelos senadores ao final da audiência com Tagliaferro.
O governo americano sancionou Moraes no fim de julho sob a Lei Global Magnitsky, que impõe severas restrições financeiras a violadores de direitos humanos, além de bloquear bens e serviços de empresas que operam nos EUA, incluindo bancos. O Tesouro americano tem agora vasculhado as relações de Moraes, inclusive familiares, para evitar que ele se utilize de terceiros para escapar das sanções.
O relatório com as informações de Tagliaferro poderá dar mais detalhes aos EUA, sobretudo sobre ex-auxiliares de Moraes e sobre Gonet, que também pode ser alvo da Magnitsky pela participação nos inquéritos do ministro.
Nesta quarta-feira (3), em entrevista à Gazeta do Povo, Tagliaferro disse que já enviou provas aos EUA que, segundo ele, foram periciadas. “Tenho tudo digitalizado, fiz a perícia antes de denunciar, justamente para que não houvesse qualquer possibilidade de ele contestar esse material”, afirmou.
O advogado Gauthama Fornaciari lembra que já existem processos administrativos e judiciais nos EUA envolvendo alegações de abuso de autoridade por parte de ministros do STF, com impactos sobre empresas e cidadãos americanos. “Se as denúncias de Tagliaferro se conectarem a casos que envolvam residentes ou empresas americanas, isso pode fortalecer ações em andamento nos EUA e ampliar a pressão internacional”, explicou o criminalista.
Mas, para ele, o cenário jurídico é complexo e bastante delicado. “Sem pressão política e sem o envolvimento de órgãos internacionais, é pouco provável que as denúncias avancem”, reforça Fornaciari.
O que Tagliaferro disse sobre Alexandre de Moraes no Senado
Na audiência no Senado, Tagliaferro relatou que, em agosto de 2022, Moraes determinou uma operação contra empresários que, segundo ele, apoiavam um golpe de Estado. A ação foi baseada apenas em uma reportagem com capturas de tela vazadas de uma conversa entre eles no WhatsApp. Nas mensagens, alguns manifestavam, em tom de desabafo e brincadeira, preferir um golpe a um novo governo Lula.
Tagliaferro disse que, para legitimar a busca e apreensão, Moraes determinou a fabricação retroativa de relatórios, para fazer parecer que a operação foi baseada numa investigação prévia, não na reportagem.
Ele também disse que a equipe de Moraes no TSE e no STF tinha alvos pré-determinados — em geral, políticos e comentaristas de direita que faziam sucesso nas redes sociais —, cujas opiniões políticas eram criminalizadas.
Segundo ele, a Assessoria Eleitoral de Enfrentamento à Desinformação (AEED) passou a contar com poder de polícia para investigações criminais após as eleições, com acesso a dados sensíveis, o que seria um desvirtuamento institucional de seu papel.
Um dos seus trabalhos foi elaborar relatórios sobre o que pessoas presas no 8 de janeiro de 2023 postavam nas redes sociais.
“Qualquer pessoa que fosse oposição ao candidato Lula, qualquer pessoa que tivesse manifestado em suas redes sociais algum apoio a Bolsonaro, que tivesse vestindo uma camisa amarela, que tivesse postando coisas com a bandeira do Brasil, isso como já era um fator determinante para a manutenção ou não de pessoas que foram presas no 8 de janeiro”, disse o perito.
O que diz Alexandre de Moraes sobre as denúncias de Tagliaferro
Em nota divulgada nesta quinta-feira (4), o gabinete de Alexandre de Moraes rebateu as acusações feitas por Tagliaferro. Abaixo, a íntegra da nota:
“O gabinete do Ministro Alexandre de Moraes esclarece que, no curso das investigações dos Inq 4781 (Fake News) e Inq 4878 (milícias digitais), nos termos regimentais, diversas determinações, requisições e solicitações foram feitas a inúmeros órgãos, inclusive ao Tribunal Superior Eleitoral, que, no exercício do poder de polícia, tem competência para a realização de relatórios sobre atividades ilícitas, como desinformação, discursos de ódio eleitoral, tentativa de golpe de Estado e atentado à Democracia e às Instituições.
Os relatórios simplesmente descreviam as postagens ilícitas realizadas nas redes sociais, de maneira objetiva, em virtude de estarem diretamente ligadas às investigações de milícias digitais.
Vários desses relatórios foram juntados nessas investigações e em outras conexas e enviadas à Polícia Federal para a continuidade das diligências necessárias, sempre com ciência à Procuradoria-Geral da República.
Todos os procedimentos foram oficiais, regulares e estão devidamente documentados nos inquéritos e investigações em curso no STF, com integral participação da Procuradoria-Geral da República.
Na PET 10.543, o procedimento foi absolutamente idêntico. Após a decisão do Ministro relator, em 19 de agosto, foi solicitado relatório para o TSE, que foi juntado aos autos no dia 29 de agosto, tendo sido dada vista imediata às partes. O recurso da PGR não foi conhecido pelo STF, em 9 de setembro. Tudo regular e oficialmente nos autos.”
Senadores defendem “CPI da Vaza Toga” e acionamento de instâncias internacionais
Senadores da Comissão de Segurança Pública também defenderam a abertura da chamada “CPI da Vaza Toga” e outras medidas para dar prosseguimento às denúncias de Eduardo Tagliaferro contra Alexandre de Moraes e Paulo Gonet.
Magno Malta (PL-ES) afirmou que o caso deve ser levado a instâncias internacionais para que o mundo conheça as “barbaridades” relatadas pelo ex-assessor. Na mesma linha, Eduardo Girão (Novo-CE) defendeu que o material seja protocolado em organismos internacionais e amplamente divulgado.
Já Flávio Bolsonaro (PL-RJ), presidente da comissão, pediu que a assessoria jurídica do Senado prepare uma peça formal para ser enviada ao STF e que as denúncias sejam adicionadas aos pedidos de impeachment já protocolados contra Moraes. Além deles, Marcos Pontes (PL-SP) sugeriu que a assessoria jurídica do Senado analise as provas e elabore relatório a ser entregue ao presidente do STF, Luís Roberto Barroso, ressaltando que a mesma estrutura técnica estuda os pedidos de impeachment de ministros.
Já Esperidião Amin (PP-SC) reiterou o pedido de CPI protocolado por ele e destacou que “a maioria dos senadores já assinou o pedido de impeachment contra Alexandre de Moraes”, cobrando ação do Senado para evitar abusos e preservar o equilíbrio entre os Poderes.
Também foi discutida a proteção de Tagliaferro e de sua família, com Flávio Bolsonaro perguntando ao ex-assessor se desejava um pedido oficial ao governo italiano — solicitação confirmada por ele. Magno Malta defendeu ainda que a segurança da família no Brasil seja requisitada ao governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas, alegando que o Ministério da Justiça e a Polícia Federal “não teriam isenção” para atuar no caso.
Em consenso, a comissão aprovou encaminhamentos formais sobre as denúncias de Tagliaferro:
- Elaboração de um relatório com as acusações de Tagliaferro, especialmente sobre a suposta fraude processual envolvendo Alexandre de Moraes e Paulo Gonet;
- Envio do relatório ao presidente do STF, ao TSE, ao Conselho Nacional de Justiça (CNJ), ao Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) e ao presidente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB);
- Disponibilização das provas apresentadas por Tagliaferro às defesas dos réus de 8 de janeiro, cujo Núcleo 1 está em julgamento no STF neste momento;
- Notificação ao governo americano sobre supostas violações de direitos humanos;
- Envio do relatório a instituições internacionais, incluindo a Organização dos Estados Americanos (OEA), o Parlamento Europeu e governos de países como Argentina, Itália, Paraguai, Espanha e Polônia.
FonteGazeta do Povo