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Ilegalidades na ação contra Bolsonaro reforçam pauta da anistia

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No segundo dia do julgamento da ação penal sobre a suposta tentativa de golpe, os advogados de Jair Bolsonaro, Augusto Heleno e Walter Braga Netto usaram grande parte de suas sustentações orais para apontar diversas nulidades processuais e atropelos ao devido processo legal na investigação.

Os argumentos levantados reforçam o movimento no Congresso pela anistia, que não se restringe aos réus do caso em julgamento, mas busca beneficiar centenas de pessoas já punidas ou prestes a serem condenadas pelos atos de 8 de janeiro de 2023.

Na tribuna da Primeira Turma do STF, os advogados apontaram uma série de problemas no inquérito da Polícia Federal, na denúncia da Procuradoria-Geral da República (PGR) e na condução do caso pelo ministro Alexandre de Moraes.

Demonstraram, por exemplo, como tiveram apenas 15 dias para analisar 70 terabytes de dados coletados pela PF, enquanto os investigadores e a PGR se debruçaram por anos sobre o material. “Eu não conheço a íntegra desse processo, não conheço o conjunto da prova. São bilhões de documentos numa instrução de menos de 15 dias, seguida de interrogatório”, disse Celso Vilardi, defensor de Bolsonaro.

Advogado de Braga Netto, José Luís de Oliveira Lima detalhou que foram coletadas 225 milhões de mensagens e áudios em mais de 200 aparelhos celulares apreendidos, que geraram mais de 100 laudos periciais. “Não seria razoável que as defesas – e todas as defesas pleitearam, e todas as defesas tiveram seus pleitos negados – tivessem um pouco mais de tempo para analisar esse processo?”, reclamou.

Mateus Milanez, da defesa de Augusto Heleno, contou que teve negado um pedido para obter um sumário das provas reunidas contra o cliente, “sob o pretexto de que seria meramente protelatório”. “Como é possível localizar um arquivo desse nessa montanha de documentos, e nesse excesso de documentos com nomes que não se entendem, não se sabe de onde vêm?”, disse.

Milanez também chamou a atenção para o papel de Moraes no caso, em que acumulou as funções de juiz, investigador e promotor. Contabilizou, por exemplo, que nos interrogatórios, o ministro fez 302 perguntas, enquanto o procurador-geral da República, Paulo Gonet, fez apenas 59.

“Uma das testemunhas arroladas, o senhor Valdo Manuel de Oliveira Aires, foi indagado pelo ministro relator a respeito de uma publicação dele nas redes sociais que não consta dos autos. Ou seja, nós temos uma postura ativa do ministro relator de investigar testemunhas. Por que o Ministério Público não fez isso? Qual o papel do juiz julgador? Ou é o juiz inquisidor?”, disse o advogado de Heleno na tribuna.

As defesas de Bolsonaro e Braga Netto criticaram duramente a delação de Mauro Cid, ex-ajudante de ordens da Presidência, cujo relato sustenta a acusação. Argumentaram que a colaboração e as provas colhidas a partir delas deveriam ser anuladas, em razão das versões contraditórias e omissões, além da coação que teria sofrido pela PF.

Os áudios, vazados na imprensa no ano passado, em que Cid desabafava com um conhecido sobre a “narrativa pronta” dos investigadores também foram lembrados. “Eles não queriam que eu dissesse a verdade, eles queriam só que eu confirmasse a narrativa deles”, disse o coronel. “Se isso aqui não é coação eu não sei o que que é”, disse Oliveira Lima, da defesa de Braga Netto.

O advogado relembrou que, inicialmente, a PGR havia rejeitado um acordo com Cid por falta de provas. “O Ministério Público instaurou um procedimento para que o réu colaborador apresentasse provas e ele não apresentou. É apenas uma narrativa, que a Polícia Federal fez com que ele tivesse, e que o Ministério Público abraçou. É uma narrativa bem colocada, bem escrita, mas absolutamente desprovida de provas”, disse Oliveira Lima.

Ele ainda destacou que, mais de um ano após seu primeiro depoimento, Cid “lembrou-se” que Braga Netto teria entregue a ele dinheiro para execução do suposto plano para matar Moraes. Ainda assim, se contradisse sobre o local da entrega. “Essa fala que vai pôr na cadeia o meu cliente por mais de 20 anos, 30 anos? É com essa fala, com essa mentira, com esse vai e volta, que o meu cliente vai permanecer na cadeia e vai morrer no cárcere?”

Celso Vilardi apontou que Cid mentiu em seu interrogatório ao negar o uso de um perfil falso de Instagram, em nome de sua mulher, em que teria revelado a um advogado do processo detalhes da delação, que deveria ser sigilosa. Em uma das mensagens, disse ter sido induzido e que “não tinha golpe por parte do Bolsonaro”. “Ele está desmoralizado porque pego na mentira pela enésima vez”, disse Vilardi. “Esse homem não é confiável, é tão simples quanto isso”, afirmou ainda o advogado.

Lembrou, por exemplo, que a acusação de que Bolsonaro teria “enxugado” a minuta de um decreto que levaria a novas eleições ainda previa a prisão de Moraes foi integralmente baseada no relato de Cid. “Não é uma jabuticaba, é algo que não existe nem aqui nem em nenhum lugar do mundo, porque na verdade o que está se pretendendo aqui é reconhecer uma parcial falsidade da delação e fazer um aproveitamento dela. Não é isso que diz o legislador”, afirmou Vilardi.

Criminalistas alertam: se não forem corrigidas, nulidades reforçam demanda por anistia política

Criminalistas consultados pela reportagem concordam que as nulidades, se ignoradas pelo STF, podem contaminar a jurisprudência e colocar em risco as garantias de todos que forem acusados no país. Além disso, reforçará o discurso político de apoiadores de Bolsonaro que buscam uma anistia para os crimes no Congresso Nacional.

“O processo penal, em um Estado de Direito, não pode ser instrumentalizado como ferramenta de ocasião, nem tampouco flexibilizado ao sabor das circunstâncias políticas. Quando se verifica condução célere em excesso, limitação ao exercício pleno do contraditório ou aplicação extensiva — e, por vezes, criativa — dos tipos penais, há de se reconhecer que se flerta perigosamente com a erosão das garantias fundamentais”, diz o advogado criminalista Guilherme Augusto Mota.

“Não se trata aqui de indulgência pessoal em favor de determinado réu, mas da preservação de um patrimônio institucional que interessa a toda a coletividade. Ignorar essas nulidades significa consolidar uma jurisprudência que relativiza princípios estruturantes, abrindo caminho para um direito penal de exceção, que pode alcançar qualquer cidadão, independentemente de coloração ideológica”, completa.

Para Gabriel Huberman Tyles, advogado criminalista e mestre em Direito Processual Penal pela PUC-SP, uma condenação com “evidentes nulidades” compromete a segurança jurídica do Brasil. “Isso significa que as regras do jogo podem mudar a qualquer momento, o que não é permitido em um Estado Democrático de Direito, que deveria respeitar os princípios constitucionais”.

Para ele, o ideal seria o STF reconhecer e corrigir os problemas realizando novamente os atos irregulares. Sem isso, a anistia ganha força, embora seja um instituto político. “A anistia não deveria se relacionar com as nulidades, mas, pela temperatura dos assuntos no atual momento histórico do Brasil, essa pressão pode existir sim”, diz.

Guilherme Augusto Mota diz que a demonstração de nulidades processuais relevantes no julgamento “tende a reforçar narrativas de injustiça e perseguição, criando ambiente propício para que se amplie a pressão política em torno da anistia”.

“Todavia, importa sublinhar que a anistia, em nosso ordenamento, sempre se colocou em uma zona de intersecção entre o Direito e a política. De um lado, a sua justificativa jurídica pode repousar no reconhecimento de que o processo padeceu de vícios insanáveis; de outro, a sua efetivação decorre de um juízo eminentemente político, voltado à pacificação social”, observa o advogado.

Ele reforça que o ideal seria o próprio Judiciário corrigir as falhas. “Quando o processo se apresenta marcado por atropelos, a demanda pela anistia ganha legitimidade social acrescida, mas não substitui a tarefa precípua das instâncias jurisdicionais, que é a de corrigir as falhas por meio dos mecanismos recursais. O perigo, aqui, é que a política acabe sendo chamada a reparar o que o Direito deveria ter prevenido — e isso não apenas fragiliza a confiança no sistema judicial, como também tensiona perigosamente o pacto democrático”, afirma Mota.

Esquerda reage com indignação a avanço da anistia

Desde o início do julgamento, as conversas para a aprovação da anistia se intensificaram. O governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos), preferido no Centrão para se candidatar e ganhar a Presidência em 2026, envolveu-se diretamente na negociação. A maioria dos líderes partidários da Câmara já topou votar o projeto, mas o presidente da Casa, Hugo Motta (Republicanos-PB), ainda resiste porque espera um aval do presidente do Senado, Davi Alcolumbre (União-AP).

Presente no STF, o líder do PT na Câmara, deputado Lindbergh Farias (RJ), afirmou na saída do STF que considera uma “loucura completa” a votação da anistia em meio ao julgamento. “Isso é interferência, seria uma espécie de golpe parlamentar. Estamos articulando porque eu me recuso a acreditar que isso seja pautado”.

Lindbergh disse ainda que, incluir a proposta da anistia na pauta de votações, “vai sinalizar que o Congresso Nacional brasileiro é cúmplice de um crime”. “Não é possível que as televisões transmitiram ao vivo uma tentativa de golpe e o Congresso Nacional vai ficar de costas para o Brasil”, disse o deputado.

A deputada Fernanda Melchionna (PSOL-RS) se referiu ao desembarque da Federação União-PP do governo Lula, anunciado na terça-feira (2), como um “casamento de conveniência da extrema-direita com o Centrão”. Para ela, votar a anistia, “seria passar pano e dar um salvo-conduto para o golpe”.

Já o líder da oposição na Câmara, deputado Luciano Zucco (PL-RS), apontou a audiência de Eduardo Tagliaferro no Senado como impulso decisivo ao pedido de suspensão do julgamento de Bolsonaro e à votação já do projeto de anistia aos réus do 8 de janeiro.



FonteGazeta do Povo

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