A Confederação Nacional dos Trabalhadores Rurais Agricultores e Agricultoras Familiares (Contag) está no centro das investigações sobre descontos ilegais realizados pelo Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) em benefícios de aposentados e pensionistas. O tema dominou a sessão da Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) em uma das sessões desta semana, quando parlamentares questionaram o advogado Eli Cohen, um dos responsáveis por revelar o esquema, sobre o assunto.
De acordo com as apurações, a entidade teria recebido R$ 3,6 bilhões por meio de repasses oriundos de descontos associativos indevidos nos últimos dez anos — sendo R$ 446 milhões apenas em 2023. Uma auditoria da Controladoria-Geral da União (CGU) apontou que, entre janeiro de 2019 e março de 2024, a Contag acumulou R$ 2 bilhões.
“A Contag está entre as quatro associações e confederações que, de acordo com as investigações, mais lucraram com o esquema de descontos indevidos. Os sigilos bancário, fiscal e telefônico serão quebrados. Os representantes da entidade serão convocados a prestar depoimento na CPMI”, disse o senador Carlos Viana (Podemos-MG), presidente do colegiado.
Os senadores Rogério Marinho (PL-RN), Izalci Lucas (PL-DF) e Tereza Cristina (PP-MS), além dos deputados Coronel Fernanda (PL-MT), Luiz Lima (Novo-RJ) e Fernando Rodolfo (PL-PE), pressionaram Cohen sobre o envolvimento da entidade no esquema.
O advogado afirmou que a Contag atuava de forma fraudulenta, repetindo o mesmo modus operandi de outras associações investigadas. Segundo ele, “o modelo de negócio dessas entidades só funciona roubando”. Como exemplo, citou registros de 30 mil a 50 mil adesões em um único mês — número que exigiria contato com milhões de pessoas, algo “impossível de ser realizado” e que indicaria adesões sem consentimento real dos beneficiários.
Cohen também destacou a influência política da confederação. Segundo ele, documentos usados para embasar emendas que “desfiguraram” a Medida Provisória 871/2019, do governo Bolsonaro — que previa a revalidação anual da filiação, dificultando o esquema — teriam sido produzidos diretamente em computadores da Contag.
Em nota enviada à Gazeta do Povo, a Contag afirmou que “atuou de forma institucional no debate da Medida Provisória nº 871/2019, apontando suas contradições e os impactos negativos para os trabalhadores rurais”.
Sobre as investigações envolvendo os descontos ilegais, a entidade nega qualquer irregularidade e afirma que “recebe com surpresa a decisão da Controladoria-Geral da União (CGU) de instaurar processo administrativo de responsabilização contra a entidade.”
Contag influenciou mudanças na MP 871 com apoio petista e inação da AGU
A participação da Contag nas discussões que levaram à alteração da Medida Provisória 871/2019, editada no governo do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), foi um dos pontos centrais do depoimento do advogado Eli Cohen à CPMI do INSS. A medida tinha como objetivo combater fraudes em benefícios previdenciários e previa, entre outros dispositivos, a revalidação anual da filiação de associados — exigência considerada fundamental por especialistas para coibir descontos compulsórios em aposentadorias.
Cohen relatou que a confederação não apenas acompanhava reuniões e registrava atas em conjunto com o INSS, mas atuava de forma direta na formulação de emendas. “Foi nos computadores da Contag que os fundamentos da emenda que desfigurou a MP foram digitados”, disse o advogado. Para ele, a redação original da medida era “absolutamente providencial” porque tornaria o negócio menos vantajoso para as entidades que dependiam das cobranças automáticas.
Reportagens publicadas pelo portal Metrópoles revelaram que diversas emendas apresentadas pela Contag foram formalmente assinadas por parlamentares ligados ao PT, o que deu força política para que as mudanças prosperassem no Congresso. Na prática, essas alterações suavizaram a proposta original, preservaram a arrecadação bilionária dos sindicatos e reduziram o alcance das medidas de controle contra fraudes.
Além da influência direta no Legislativo, o episódio também expôs falhas de fiscalização por parte da Advocacia-Geral da União (AGU). Apesar das suspeitas envolvendo entidades sindicais, a AGU não chegou a pedir o bloqueio de bens dessas organizações — incluindo o sindicato que tem um irmão do presidente Lula como vice-presidente. A omissão, apontam críticos, acabou por blindar financeiramente instituições que hoje estão sob investigação da CPMI.
O que se sabe sobre a participação da Contag no escândalo do INSS
Relatórios da Controladoria-Geral da União (CGU) apontam que a Contag foi a entidade que mais recebeu recursos do INSS por meio de descontos associativos em aposentadorias e pensões. Apenas no primeiro trimestre de 2024, 1,3 milhão de beneficiários tiveram valores abatidos em favor da confederação, número muito superior ao das demais entidades conveniadas.
Entre janeiro de 2019 e março de 2024, os repasses somaram R$ 2 bilhões. No acumulado dos últimos dez anos, a entidade recebeu R$ 3,6 bilhões — o maior montante entre todas as associações com acordos de cooperação técnica (ACTs) junto à Previdência. Só em 2023 e 2024, os valores ultrapassaram R$ 440 milhões por ano, cifra ainda maior do que a registrada durante a gestão Bolsonaro.
A CGU também identificou indícios de irregularidades. Numa amostra de 1.273 beneficiários, 97,6% dos aposentados e pensionistas afirmaram não ter autorizado os descontos. No caso específico da Contag, de seis entrevistados, cinco negaram anuência nas deduções em seus benefícios. Apesar disso, a entidade apresentou o menor percentual de pedidos de exclusão de cobrança: apenas 2% no primeiro trimestre de 2024.
A Operação Sem Desconto, deflagrada pela Polícia Federal em parceria com a CGU, incluiu a Contag entre as 11 entidades investigadas. O relatório destacou que Aristides Veras dos Santos, presidente da confederação e irmão do deputado federal Carlos Veras (PT-PE), assinou um ofício que desbloqueou em lote 34.487 benefícios previdenciários para permitir novas cobranças associativas — procedimento considerado irregular por auditoria do INSS, já que apenas 213 pessoas haviam feito solicitação legítima.
Além disso, documentos do Coaf revelaram que a entidade repassou cerca de R$ 26 milhões a federações, sindicatos, empresas e pessoas físicas, levantando suspeitas sobre o uso dos recursos. A maior parte dos prejudicados foi do setor rural, público que representa a base histórica da Contag e que concentrou 67% das contribuições compulsórias registradas em todo o país.
Indagada sobre o assunto, a Contag afirmou que o “desbloqueio realizado em 2022 ocorreu após diversas tentativas da CONTAG de solucionar, junto ao INSS, as dificuldades criadas pela ausência de ferramentas adequadas na plataforma Meu INSS, que impediam aposentados e pensionistas”.
“A entidade protocolou ofícios ao INSS em 2022 e 2023, entregou a documentação exigida e disponibilizou acesso remoto aos arquivos para conferência da regularidade. O próprio Instituto reconheceu as falhas e autorizou o processamento dos descontos com base nos documentos apresentados”, afirmou a Contag.
De mobilização camponesa à influência política: a trajetória da Contag
A Confederação Nacional dos Trabalhadores Rurais Agricultores e Agricultoras Familiares (Contag) foi fundada em 22 de dezembro de 1963, no contexto das reformas de base do governo João Goulart e da crescente mobilização no campo.
O movimento era impulsionado pelas Ligas Camponesas, lideradas por Francisco Julião, e pela Juventude Agrária Católica (JAC), que ganharam força na década de 1950. A criação da entidade marcou a consolidação de uma representação nacional autônoma dos trabalhadores rurais, com forte engajamento nas pautas da reforma agrária e dos direitos sociais.
Poucos meses depois, com o golpe militar de 1964, a confederação sofreu intervenção federal, e muitas lideranças foram perseguidas. Ainda assim, a Contag manteve-se ativa, reorganizando-se institucionalmente e preservando sua atuação sindical ao longo do regime militar.
Com a redemocratização, ampliou sua influência política, participando das articulações da Assembleia Constituinte e das discussões sobre a reforma agrária. Nas décadas seguintes, esteve à frente de campanhas de massa, como a Marcha das Margaridas — criada em 2000 — e de pautas voltadas à agricultura familiar, à agroecologia e à previdência rural.
A entidade também se consolidou como um polo de articulação sindical, responsável pela criação e fortalecimento das federações estaduais de trabalhadores rurais (Fetags) e pela aproximação com a Central Única dos Trabalhadores (CUT), à qual se filiou em 1995. Nos anos seguintes, estimulou o surgimento de novas confederações, como a Contar (2015) e a Contraf (2016).
Posicionamento da Contag na íntegra
“Ao longo de mais de 60 anos de existência, a Confederação tem atuado dentro da lei para garantir a regularidade dos descontos associativos, sempre baseada em Acordos de Cooperação Técnica firmados com o INSS desde 1994, conforme o artigo 115 da Lei nº 8.213/91. Esses acordos foram submetidos a auditorias periódicas e exigem, de forma rigorosa, a apresentação de autorizações expressas, fichas de filiação e cópias de documentos de identidade para a efetivação de qualquer desconto.
Neste processo de investigações , é fundamental separar entidades com longa atuação e história de prestação de serviço de entidades-fictícias, criadas apenas para fraudar aposentados. Desde 2022, a Confederação vem denunciando irregularidades cometidas por outras entidades, tendo encaminhado ofícios e boletins de ocorrência para exigir providências contra descontos indevidos praticados por terceiros.
A CONTAG reafirma que respeita o trabalho dos órgãos de controle, colabora integralmente com as investigações e seguirá firme em sua missão de representar e defender os direitos dos agricultores e agricultoras familiares de todo o país.
Sobre relatório da Auditoria-Geral do INSS que trata do desbloqueio, em lote, de 30.211 benefícios previdenciários para inclusão de descontos associativos em favor da Contag e outras entidades.
A Confederação Nacional dos Trabalhadores Rurais Agricultores e Agricultoras Familiares (CONTAG) informa que está analisando com atenção o relatório recentemente divulgado pela Auditoria-Geral do INSS sobre o desbloqueio de benefícios previdenciários para processamento de descontos associativos.
É importante esclarecer que a CONTAG sempre pautou sua atuação pela legalidade e transparência, apresentando ao INSS, sempre que demandada, as autorizações assinadas pelos associados, acompanhadas das fichas de filiação e dos documentos de identidade, conforme previsto nos Acordos de Cooperação Técnica.
O desbloqueio realizado em 2022 ocorreu após diversas tentativas da CONTAG de solucionar, junto ao INSS, as dificuldades criadas pela ausência de ferramentas adequadas na plataforma Meu INSS, que impediam aposentados e pensionistas — em sua maioria trabalhadores rurais sem biometria cadastrada — de exercerem plenamente o direito de autorizar descontos associativos.
A entidade protocolou ofícios ao INSS em 2022 e 2023, entregou a documentação exigida e disponibilizou acesso remoto aos arquivos para conferência da regularidade. O próprio Instituto reconheceu as falhas e autorizou o processamento dos descontos com base nos documentos apresentados.
A CONTAG ressalta que o número de contestações mencionado no relatório representa pouco mais de 21% do universo total de benefícios desbloqueados, o que evidencia que a ampla maioria dos associados não questionou os descontos. Isso demonstra a seriedade da atuação da Confederação e o reconhecimento, por parte da base, da importância das contribuições para a manutenção dos serviços prestados — incluindo assistência jurídica, previdenciária e apoio à agricultura familiar.
Cada contestação recebida é tratada com a devida atenção, assegurando a defesa dos direitos dos filiados. A CONTAG também recorda que foi uma das primeiras a denunciar práticas fraudulentas de descontos indevidos cometidos por entidades não vinculadas ao seu sistema sindical, tendo encaminhado dossiês, boletins de ocorrência e ofícios ao INSS em 2022 e 2023, pedindo providências para proteger aposentados e pensionistas rurais.
Por fim, a Confederação reafirma seu compromisso histórico com a defesa dos direitos previdenciários, trabalhistas e sociais dos agricultores e agricultoras familiares, aposentados e pensionistas, e seguirá colaborando com os órgãos de controle para o pleno esclarecimento dos fatos.
Sobre a decisão da Controladoria-Geral da União (CGU) de instaurar processo administrativo de responsabilização contra a entidade.
A Confederação Nacional dos Trabalhadores Rurais Agricultores e Agricultoras Familiares (CONTAG) recebe com surpresa a decisão da Controladoria-Geral da União (CGU) de instaurar processo administrativo de responsabilização contra a entidade.
A decisão da Controladoria-Geral da União (CGU) causa estranheza, uma vez que, até o momento, não foram apresentados fundamentos que justifiquem a inclusão da CONTAG no rol de entidades sob responsabilização, sendo relevante destacar que a própria Advocacia-Geral da União (AGU) não requereu o bloqueio de bens da Confederação, justamente por inexistirem indícios ou elementos que apontem a prática de fraudes pela entidade.
A Confederação ressalta que, neste processo, é fundamental separar entidades com longa atuação e história de prestação de serviço de entidades-fictícias, criadas apenas para fraudar aposentados. Desde 2022, a Confederação vem denunciando irregularidades cometidas por outras entidades, tendo encaminhado ofícios e boletins de ocorrência para exigir providências contra descontos indevidos praticados por terceiros.
Sobre Medida Provisória nº 871/2019
A Confederação Nacional dos Trabalhadores Rurais Agricultores e Agricultoras Familiares (CONTAG) reafirma que sua atuação legislativa é institucional, correta e constante ao longo de mais de seis décadas de existência do Sistema CONTAG. Durante esse período, a Confederação foi responsável pela conquista de inúmeras políticas públicas voltadas à agricultura familiar que tiveram origem em suas proposições, como a aposentadoria rural no valor de um salário mínimo para homens e mulheres; a Lei Agrícola e o Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar – Pronaf; a consolidação da função social da propriedade na Constituição Federal; o marco legal contra o trabalho escravo e infantil; o Crédito Fundiário; e a Lei da Agricultura Familiar (Lei nº 11.326/2006), entre outras.
Nesse mesmo espírito, e assim como em outras matérias de interesse da agricultura familiar, a CONTAG atuou de forma institucional no debate da Medida Provisória nº 871/2019, apontando suas contradições e os impactos negativos para os trabalhadores rurais.
Por estar organizada e presente em quase todos os municípios brasileiros, por meio de cerca de 4 mil sindicatos, a Confederação abriu diálogo por meios institucionais, com o Executivo e o Legislativo, para propor mudanças e ajustes na medida, apresentando a realidade concreta da agricultura familiar que conhece profundamente e representa.
A CONTAG atuou, sim, de maneira institucional trazendo propostas para a MP 871/2019, que instituiu programas de revisão de benefícios do INSS com o objetivo de combater fraudes e irregularidades. Essa atuação resultou na instituição da Lei nº 13.846/2019, que promoveu mudanças significativas na previdência rural brasileira — um tema de relevância para o público trabalhador rural que a Confederação representa.
Sobre o que a CGU disse na CPMI
A Controladoria-Geral da União reconheceu nesta quinta-feira (4/9), durante os trabalhos da CPI do INSS, ter se baseado em apenas seis entrevistas para colocar sob suspeita mais de 1,3 milhão de convênios da CONTAG. A partir desse universo mínimo, concluiu que 83% seriam ilegais. A Confederação Nacional dos Trabalhadores Rurais Agricultores e Agricultoras Familiares reagiu, destacando que, além da amostra irrisória, ela não foi consultada pelo órgão antes da divulgação do relatório e que, posteriormente, localizou e encaminhou as autorizações formais desses mesmos casos. O episódio levanta dúvidas sobre a consistência metodológica utilizada pela CGU em um tema de tamanha relevância”.
FonteGazeta do Povo