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Projeto aprovado na Câmara coloca proteção animal em perigo, dizem especialistas

Projeto aprovado na Câmara coloca proteção animal em perigo, dizem especialistas


Parlamentares, juristas e organizações argumentam que proposta enfraquece garantias constitucionais ao legitimar práticas cruéis

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PL institucionaliza o “especismo seletivo” ao incluir a emenda nº 7 que isenta de responsabilização por maus-tratos qualquer prática agropecuária “regulamentada”

A Câmara dos Deputados aprovou no dia 5 de novembro o Projeto de Lei 347/03, que fortalecer a punição a crimes de tráfico e maus-tratos de animais, com alterações que podem fragilizar garantias constitucionais de proteção aos animais, segundo especialistas. O texto prevê pena de dois a cinco anos de reclusão, além de multa, para quem praticar tráfico de animais silvestres. 

No entanto, algumas emendas flexibilizam normas e abrem caminho para a descriminalização de maus-tratos sob o argumento de práticas “regulamentadas por autoridades agropecuárias” ou “culturalmente referenciadas”, além de permitir exceções em casos de “controle populacional” de espécies exóticas invasoras.

Na avaliação de parlamentares, juristas e organizações de proteção animal, a redação enfraquece o artigo 32 da Lei de Crimes Ambientais (Lei nº 9.605/98), que há mais de 25 anos pune abusos, ferimentos e mutilações contra animais silvestres, domésticos ou domesticados.

Originalmente elaborado pela CPI do Tráfico de Animais, o projeto relatado pelo deputado Fred Costa (PRD-MG) foi aprovado com a Emenda nº 7, apresentada pelo presidente da Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA), deputado Pedro Lupion (Republicanos-PR), e incorporada ao texto final. De acordo com a FPA, a regra traz segurança jurídica.

Segundo especialistas, o texto institucionaliza o “especismo seletivo” ao incluir a emenda nº 7 que isenta de responsabilização por maus-tratos qualquer prática agropecuária “regulamentada”.

“Esse PL é muito contraditório, porque se comemora muito essa vitória para os silvestres, mas existe uma emenda contra os animais da fazenda. E aí você coloca uma exceção na lei de crimes ambientais, no artigo 32, para falar que as “práticas regulamentadas pela agropecuária” não se enquadram no crime de maus-tratos. Eu vejo isso com muita preocupação. Caso não tivesse essa emenda, seria um motivo de muita comemoração. Não acho que deveria ser aprovado com essa emenda”, avalia Yuri Fernandes, advogado animalista e professor. 

Outras inclusões e emendas do texto também acendem alertas por representarem graves retrocessos na proteção jurídica dos animais no Brasil. 

Em resposta ao texto aprovado, entidades e coletivos divulgaram uma Carta-Manifesto pedindo aos senadores a rejeição de emendas “que ferem a Constituição e legitimam a crueldade institucionalizada”. O documento, apoiado por juristas, ativistas, professores e organizações de todo o país, também convoca a sociedade civil a se unir em defesa dos animais e já obteve 4.314 assinaturas.

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Animais de pecuária prejudicados

A médica veterinária e diretora técnica do Fórum Nacional de Proteção e Defesa Animal, Vânia Nunes, relembra que o “projeto que inicialmente havia tramitado por 22 anos e visava coibir de forma clara casos de tráfico e outras práticas criminosas com animais silvestres” voltou a caminhar na Câmara “depois de muito trabalho de entidades”. 

Para a especialista, as mudanças no texto foram diretamente influenciadas pelo caso do cavalo de Bananal, morto de forma cruel após extrema exaustão e tendo as patas decepadas enquanto ainda estava vivo. 

“Com a divulgação de cenas terríveis e de grande crueldade nas redes sociais, a população se indignou e a sociedade civil organizada se mobilizou fazendo com que alguns deputados incluíssem o artigo terceiro que, ao mesmo tempo que ampliava a lei para também mudar a tipificação do delito para os silvestres, também fizesse isso com os equídeos”, ponderou Vânia. 

A especialista observa que, após a ampla divulgação nas redes sociais de cenas extremamente cruéis, houve forte indignação popular e mobilização da sociedade civil, o que levou “alguns deputados a incluírem o artigo terceiro” – dispositivo que, além de ampliar a lei para alterar a tipificação do delito envolvendo animais silvestres, estenderia a mudança também aos equídeos.

“Talvez tenha sido uma jogada errada nesse tabuleiro de xadrez”, avalia Yuri Fernandes sobre a inclusão dos equídeos no texto. “Quando aconteceu o caso de Bananal, vários deputados apresentaram projetos apenas para cavalos, como o próprio delegado Matheus Laiola (União – PR). O PL de 2003 tinha que ter ficado quieto só para silvestres. Com a inclusão, começou a acender uma série de debates, fazendo com que surgisse essa exceção para pecuária”. 

Durante a discussão, a Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA) apresentou sete emendas de Plenário. A emenda nº  7, de autoria do deputado Pedro Lupion (Republicanos-PR) foi acolhida no texto final.

“A Frente Parlamentar da Agropecuária fez uma alteração no texto para tirar outros animais usados na pecuária, para ao que tudo indica evitar qualquer proteção legal que a Lei de crimes ambientais pudesse manter. Ficou bem evidente que para salvar alguns animais outros seriam vítimas de uma desproteção completa”, enfatizou a médica veterinária.  

“Garantir segurança jurídica”, diz FPA

Questionada sobre a emenda, a Frente Parlamentar da Agropecuária argumenta que alteração tem como “finalidade técnica garantir segurança jurídica às práticas agropecuárias que já são regulamentadas por autoridades competentes”, como o Ministério da Agricultura e Pecuária (Mapa) e os conselhos de medicina veterinária e zootecnia. 

“São práticas reconhecidas e fiscalizadas como vacinação, contenção, transporte e inseminação, que seguem protocolos científicos rigorosos e preservam o bem-estar dos animais. Sugerir que essas práticas possam ser equiparadas a maus-tratos é desconsiderar décadas de evolução técnica e normativa da produção pecuária no Brasil. É dizer, ainda que de forma indireta, que os órgãos reguladores e os técnicos responsáveis pela formulação dessas normas seriam coniventes com a crueldade, o que não corresponde à realidade”, afirmou a FPA à reportagem. 

Mesmo com a diversificação industrial e tecnológica, o agronegócio permanece como um dos pilares mais sólidos da atividade econômica nacional. De acordo com dados da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), o Valor Bruto da Produção (VBP) do setor deve alcançar R$ 1,48 trilhão em 2025, representando um crescimento de 11,6% em relação ao ano anterior. 

Yuri Fernandes acredita que as alterações no texto refletem pressões e interesses econômicos da pecuária. “Há pressão da pecuária, da própria FPA e da bancada ruralista. Eles não querem essa interferência do bem-estar animal. Não estou nem falando de direito animal, estou falando do mínimo de bem-estar animal dentro da pecuária industrial”, avalia.

Para o jurista, há o risco de que, caso o Mapa venha a regulamentar tais práticas com base no novo parágrafo que pode ser incluído no artigo 32, a proteção dos animais da pecuária seja significativamente enfraquecida.

A FPA, por sua vez, argumenta que a demanda não é de natureza econômica, mas “regulatória e técnica”. “A exceção protege o cumprimento da própria legislação setorial vigente. Ela reconhece que cabe ao Estado, por meio da autoridade agropecuária, definir, regulamentar e fiscalizar as práticas que devem ser adotadas no manejo dos animais de produção. São essas autoridades que acumulam o conhecimento técnico e têm a prerrogativa legal de estabelecer o que é adequado ou não”, ressalta.

pecuaria galinha

A pecuária é uma atividade que tem um peso significativo no PIB brasileiro

Tradições culturais e caça 

O PL também tem trechos polêmicos em relação à caça de animais exóticos e a outras práticas consideradas “culturais”.

Entidades de proteção animal signatárias da Carta-Manifesto apontam que a proposta é um “Cavalo de Troia”, por oferecer à sociedade a “ilusão de justiça para os animais, enquanto esconde uma tragédia ética e jurídica para aqueles explorados pela pecuária, rodeios, vaquejadas, caça esportiva, e outras práticas ditas culturais”.

A médica veterinária Vânia Nunes explica que a chamada “caça de controle” de espécies invasoras não é eficaz no manejo populacional e serve de pretexto para a morte de animais da fauna silvestre. “A prática da caça já não é eficiente comprovadamente, e onde muitos espécimes de  espécies ameaçadas de extinção ou sob risco tem sido vítimas invisíveis dessa prática”, justifica. 

A diretora do Fórum Animal considera que as inclusões das emendas sobre a prática no texto não tem a ver com o objeto da lei. “Fica claro que a caça foi outro ‘jabuti’, como se chama no jargão da Câmara dos Deputados. Caça nunca serviu para controle populacional de animais em nenhum país no mundo. Centenas de trabalhos científicos demonstram isso a muito tempo, mas interesses questionáveis de alguns estão colocando nossos animais cada dia mais em risco”, defende.

Tráfico de animais silvestres

O Brasil é responsável pelo tráfico de 38 milhões de animais silvestres por ano, segundo dados da Organização Social de Interesse Público (Oscip) e da Rede Nacional de Combate ao Tráfico de Animais Silvestres (Renctas). Com uma das mais ricas biodiversidades do mundo, o país se enquadra em um cenário complexo onde a fauna nativa é explorado constantemente. 

Segundo a Comissão Europeia, o tráfico de animais é o quarto negócio ilegal mais lucrativo do mundo, atrás apenas do tráfico de drogas, de seres humanos e do comércio de armas. Estima-se que o lucro anual de crimes do tipo gire em torno de 8 bilhões a 20 bilhões de euros no mundo. 

“Lamentavelmente, o tráfico de animais silvestres é o quarto maior praticado no mundo, e infelizmente somente 10% dos animais capturados pelos criminosos chegam vivos aos destinos. É uma carnificina”, disse Fred Costa, relator da proposta.

O Projeto de Lei 347/03 aumenta a pena pelo crime ambiental de matar, caçar ou apanhar animais silvestres sem autorização, ou licença. O texto também cria um novo tipo penal na Lei de Crimes Ambientais, ampliando a penalidade do crime de comércio de espécimes de fauna silvestre, com agravantes para diversas situações.

ama faz a soltura de 14 araras e 19 papagaios. As aves serão reintroduzidas à natureza na Reserva ecológica Chapada Imperial. Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil

O tráfico de animais silvestres é o quarto maior praticado no mundo

Emenda supressiva 

Na Comissão Parlamentar de Inquérito destinada a investigar o tráfico ilegal de animais e plantas silvestres (CPITRAFI), os deputados Bruno Ganem (Podemos), Célio Studart (PSD), Duarte Jr. (PSB), Felipe Becari (União Brasil), Duda Salabert (PDT) e a professora Luciene Cavalcante (PSOL) apresentaram a Emenda Supressiva de Plenário nº 6.

No instrumento, os parlamentares sustentam que a alteração prevista para permitir “práticas e procedimentos devidamente regulamentados pela autoridade agropecuária” viola frontalmente o artigo 225, VII, da Constituição Federal, que proíbe “práticas que coloquem em risco a função ecológica, provoquem a extinção de espécies ou submetam os animais à crueldade”.

Em entrevista à reportagem, o deputado federal Duarte Jr. afirmou ser fundamental “combater qualquer tentativa de anistia ampla a práticas de maus-tratos relacionadas às atividades agropecuárias”, uma vez que as alterações abrem margem a interpretações que excluem situações graves de maus-tratos em sistemas de produção intensiva. 

“O que nós estamos fazendo com essa emenda supressiva é garantir que a Constituição Federal de 1988 seja protegida. É garantir que o artigo 225 seja resguardado porque a proposta, na forma como estava, seria uma norma totalmente inconstitucional”, explica o parlamentar. 

Por outro lado, o deputado relembra que o Brasil assinou o Tratado de UNEA 5.2, uma resolução reconhecendo o bem-estar animal como fator de desenvolvimento sustentável. Desse modo, a flexibilização a proteção penal contraria o acordo. “A partir do momento que temos a presença do parágrafo terceiro nessa proposta legislativa, caso for mantido, será colocar o país na contramão desse compromisso internacional”, considera. 

Duarte Jr. enfatiza que o objetivo da emenda repressiva é assegurar que a política agropecuária do país continue sendo respeitada não apenas no território nacional, mas também internacionalmente. Para o deputado, é fundamental que o projeto de lei resguarde a Constituição Federal e os tratados internacionais que já existem para “impedir um retrocesso”.

“Nossa emenda não permite qualquer tipo de maus-tratos aos animais e, claro, na via reflexa também garante que os nossos produtos de origem animal não percam as suas validações e certificações de qualidade. A partir do momento que a nossa emenda é catada, ela resguarda todas essas normas que já existem.  Não estamos aqui inventando uma nova regra. Estamos reforçando que as regras que já existem não sejam rasgadas”, justifica Duarte Jr. 

O que prevê a Constituição sobre a proteção animal?

A Lei de Crimes Ambientais (Lei nº 9.605/1998) e a Constituição Federal de 1988 formam o principal arcabouço jurídico brasileiro para proteção de animais e punição de maus-tratos. Juntas, estabelecem que a fauna deve ser protegida pelo Estado e que qualquer prática cruel é proibida.

O artigo 225 determina que cabe ao poder público e à coletividade proteger a fauna e a flora, sendo vedadas práticas que submetam animais a crueldade. Esse princípio coloca a tutela dos animais como um dever constitucional, reforçando a responsabilidade do Estado em prevenir abusos.

Por outro lado, a Lei de Crimes Ambientais tipifica como crime abusar, ferir, mutilar ou maltratar animais silvestres, domésticos ou domesticados, com pena que pode incluir multa e detenção. Alterações recentes tornaram mais severas as punições para maus-tratos contra cães e gatos, podendo chegar a cinco anos de reclusão.

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Agora nas mãos do Senado

O Projeto de Lei 347/03 segue agora para o Senado, que pode aprová-lo ou não, além de decidir sobre vetos a emendas que, segundo especialistas, podem fragilizar as garantias constitucionais de proteção aos animais.

O deputado Duarte Jr. acredita que Casa Alta aprove o texto. “Nosso desejo é que aprove da forma como estamos buscando, preservando a Constituição de 88, os tratados internacionais em proteção à vida, saúde e segurança. É necessário combater os maus-tratos de animais para que se possa impedir todo esse retrocesso, e também impedir prejuízos econômicos”, declara.

Senado

Senado pode aprovar ou não o PL, além de decidir sobre vetos a emendas

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