O início do julgamento do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL-SP) por tentativa de golpe de Estado, nesta semana, marca também um divisor de águas para a disputa presidencial nas eleições do ano que vem. De um lado, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT-SP), que já deixou claro que buscará a reeleição pelo campo da esquerda. Do outro, o principal candidato que irá representar a oposição ao petista na disputa eleitoral.
Até agora, o mais bem posicionado para um projeto presidencial pelo campo da direita é o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos-SP). Melhor posicionado nas pesquisas de intenção de voto e escolhido pelo Centrão, pelo empresariado e pelo agronegócio como candidato à Presidência da República em 2026 — além de ter sido eleito pelo próprio Lula como adversário principal —, Tarcísio tem intensificado a agenda de candidato ao mesmo tempo em que amplia gestos, falas e movimentos para conseguir a única coisa que falta para oficializar sua pré-candidatura ao Palácio do Planalto, sem a qual a aventura eleitoral pode não ser viável: o aval e apoio oficial de Bolsonaro e família.
Apesar do julgamento em curso pela 1ª Turma do Supremo Tribunal Federal (STF), sob relatoria do ministro Alexandre de Moraes, e de estar declarado inelegível pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) até 2030, o ex-presidente reafirmava disposição de reverter a inelegibilidade e sair candidato à Presidência da República no ano que vem, antes de ser colocado em prisão domiciliar, no dia 4 de agosto.
Na última terça-feira (2), Tarcísio amanheceu em Brasília para acompanhar o início do julgamento do ex-presidente no STF e, segundo interlocutores, trabalhar pelo projeto na anistia aos réus pelo caso no Congresso Nacional, em mais um gesto de apoio. Na segunda-feira (1º), já havia tratado do tema com o deputado federal Marcos Pereira, presidente do Republicanos, durante um café da manhã no Palácio dos Bandeirantes, em São Paulo. Pela noite, voou até Brasília e encontrou-se com o presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos), com quem voltou a tratar do tema.
Em 25 de agosto, em um evento de comemoração de 20 anos do seu partido, o Republicanos, Tarcísio então discursou: “Nós precisamos de pacificação. E o Congresso Nacional tem papel fundamental nessa pacificação. E a gente não pode permitir que ninguém tire essa prerrogativa do Congresso. Essa prerrogativa pertence ao Congresso e o Congresso pode fazer gestos por essa pacificação”.
Quatro dias depois, defendeu a mesma ideia em uma agenda em Santo André (SP): “A gente tem conversado muito com lideranças acerca da tramitação do projeto de lei da anistia, porque a gente acredita muito nesse projeto como um fator de pacificação. Eu acho que dá para se construir um ambiente para aprovar isso, é algo que na história do Brasil já aconteceu diversas vezes”, disse.
Em entrevista ao Diário do Grande ABC, no final de semana, o governador afirmou que daria o indulto a Jair Bolsonaro como primeiro ato, caso fosse eleito presidente da República: “Na hora. Primeiro ato”, disse. De lambuja, acabou criticando o Poder Judiciário e o STF ao chamar o processo de “absolutamente desarrazoado”.
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Eventual disputa entre Tarcísio e Lula tem pressão do Centrão e convite do PL
Em paralelo ao alinhamento aparentemente incondicional de Tarcísio, o Centrão tem pressionado Bolsonaro para indicar logo o governador paulista como seu candidato presidencial. “O único que não pode perder a eleição do ano que vem é Jair Bolsonaro, por causa da situação dele”, afirmou ao Valor Econômico na segunda-feira o senador Ciro Nogueira (PP-PI), presidente do PP.
“Ele tem que escolher alguém que possa ganhar”, complementou, em alusão velada ao governador paulista — o senador disse ainda que Bolsonaro “não pode correr mais riscos” e que vai evitar divisões na direita ao escolher um sucessor logo. Na semana passada, o presidente do PL, Valdemar Costa Neto, já havia dito que o momento ideal para Bolsonaro indicar um sucessor no pleito presidencial de 2026 seria logo após seu julgamento no STF — isso depois de convidar Tarcísio a disputar a Presidência pela legenda.
Apesar de todos estes gestos do governador nas últimas semanas e da pressão do Centrão, Tarcísio ainda não conta com o aval oficial de Bolsonaro para a empreitada presidencial. Assim segue, pelo menos oficialmente e em público, dizendo que é candidato à reeleição do governo de São Paulo.
Além do compasso de espera do ex-presidente, outro desafio de Tarcísio para consolidar uma candidatura a presidente é a postura da família Bolsonaro, em especial do deputado federal Eduardo Bolsonaro (PL-SP). Ele já afirmou que sua família pode deixar o PL se Tarcísio migrar para a sigla. Eduardo defendeu ainda que Tarcísio não tem o perfil de “combate ao establishment” esperado pelos apoiadores do grupo.
O governador de São Paulo tem sido um dos alvos constantes de ataques pelos filhos do ex-presidente. “Ao que parece, o PL quer direcionar uma candidatura para o Tarcísio ou para alguém que não seja o Bolsonaro. Isso é um atropelo da opinião pública e não é só do meu nome, é o do Flávio Bolsonaro também. Se o Jair Bolsonaro não concorrer, eu vou ter que procurar outro partido e sair candidato. Mesmo que seja derrotado, existe vitória na derrota”, declarou o deputado federal pelas redes sociais nesta semana.
Mensagens trocadas entre o deputado federal Eduardo Bolsonaro (PL-SP) e o pai — reveladas pela Polícia Federal no âmbito do inquérito sobre a influência dos dois no tarifaço de Donald Trump e sanções a ministros do STF por parte do governo dos EUA — mostram que o deputado não confia em Tarcísio e chegou a xingá-lo diversas vezes. Antes, o vereador Carlos Bolsonaro (PL-RJ) e o próprio Eduardo já haviam criticado Tarcísio e os outros governadores da direita que se colocam como opções para a Presidência em 2026.
“Essa tensão expõe a dificuldade de Tarcísio em ser reconhecido como herdeiro político legítimo, apesar de seus gestos públicos de lealdade e proximidade com o ex-presidente, como a promessa de que seu primeiro ato em um eventual governo seria conceder anistia a Bolsonaro”, afirma o economista Luis Carlos Burbano Zambrano, especialista em política e gestão pública. “O dilema central é que, sem o ‘selo’ da família, Tarcísio corre o risco de enfrentar divisões internas e uma fragmentação que pode comprometer sua viabilidade como candidato de consenso da direita.”
“Sem o Bolsonaro ele não é nada”, diz Lula sobre Tarcísio
Enquanto persiste essa incerteza no campo da direita, Lula aproveita e centra fogo no adversário mais provável, apesar dos impasses, que é o governador de São Paulo. “Temos que reconhecer que o Bolsonaro tem uma força no setor de extrema direita muito forte”, disse Lula na semana passada, de passagem por Minas Gerais. “O Tarcísio vai fazer o que o Bolsonaro quiser. Até porque sem o Bolsonaro ele não é nada. Ele sabe disso.”
Antes, durante reunião ministerial ocorrida também na semana passada, Lula já havia dito que Tarcísio provavelmente será seu adversário nas eleições de 2026. “O senhor Tarcísio não vai tentar esconder o chapeuzinho do Trump, não, pode mostrar para a gente saber quem você é”, já havia provocado o presidente durante entrevista à Record em julho, em meio a repercussão do tarifaço imposto pelo presidente norte-americano, Donald Trump, contra o Brasil e em apoio a Bolsonaro.
“A estratégia do presidente é clara, colar no governador paulista a imagem de Bolsonaro, apostando que essa associação será prejudicial em um eventual segundo turno”, afirma Zambrano. Para o analista, a atuação do deputado federal Eduardo Bolsonaro junto ao governo Trump nos EUA pelo tarifaço, contra interesses comerciais do Brasil, tem o potencial de aumentar a rejeição a um nome associado ao grupo e à manobra. “Sem dúvida, Lula e o PT explorarão esses pontos em 2026, reforçando a narrativa de um ‘Brasil soberano’ em contraste com a subordinação a interesses externos e à instabilidade institucional.”
Para Zambrano, a situação é desafiadora para Tarcísio. “Se ele quiser chegar competitivo a 2026, terá de vencer duas batalhas simultâneas: superar a resistência interna do núcleo duro de apoiadores de Bolsonaro e, ao mesmo tempo, escapar da armadilha de ser reduzido a um ‘Bolsonaro 2.0’, sem personalidade própria — narrativa que o lulismo pretende explorar ao máximo na próxima eleição”, afirma.
“A tática do Tarcísio é a do ‘herdeiro moderado‘: evita rachas públicos, mantém ponte com a base conservadora e tenta ampliar o apoio no centro do eleitorado”, afirma o cientista político Samuel Oliveira. “O incômodo da família, sobretudo Eduardo Bolsonaro, sinaliza disputa por controle da ‘marca’ Bolsonaro e por quem lidera a narrativa da oposição.”
“Do outro lado, Lula e o PT já escolheram o adversário prioritário. A estratégia é colar o governador ao bolsonarismo para reduzir sua aceitação no eleitorado de centro”, afirma Oliveira. “O jogo de 2026, hoje, parece condicionado a três variáveis: coordenação no campo da direita, economia e aprovação do governo federal em 2025–26, e capacidade de Tarcísio de ampliar no centro sem perder a base”, diz.
Segundo levantamento do instituto Paraná Pesquisas divulgado na semana passada, Lula e Tarcísio têm um empate numérico nas simulações de segundo turno: ambos com 41,9% das intenções de voto. Já na disputa com Michelle Bolsonaro (PL-DF), o petista teria 42,3% contra 43,4% da ex-primeira-dama — a diferença está dentro da margem de erro de 2,2 pontos percentuais para mais ou para menos, o que configura empate técnico. A pesquisa foi realizada de 17 a 21 de agosto de 2025. Foram entrevistadas 2.020 pessoas com 16 anos ou mais em 26 estados e no Distrito Federal. O intervalo de confiança é de 95%.
Já na pesquisa Quaest mais recente, Lula abriu vantagem em relação a julho e supera todos os adversários da direita no primeiro e no segundo turno. A pesquisa Quaest foi encomendada pela Genial Investimentos e realizada entre os dias 13 e 17 de agosto. Ao todo, foram ouvidas 12.150 pessoas. A margem de erro é de dois pontos percentuais, para mais ou para menos, e o nível de confiança é de 95%.
FonteGazeta do Povo