Embora o risco ainda seja considerado baixo, uma mutação que permita a transmissão do vírus da gripe aviária (H5N1) entre humanos pode levar a uma pandemia pior do que a de Covid-19. A avaliação é de Marie-Anne Rameix-Welti, chefe do Centro de Infecções Respiratórias do Instituto Pasteur, na França.
A população em geral tem anticorpos contra a linhagens H1 e H3, da gripe sazonal comum, mas não para a H5, da influenza aviária, da mesma forma que ocorreu com o SARS-CoV-2, coronavírus causador da Covid-19.
Diferentemente do SARS-CoV-2, no entanto, os vírus da gripe podem causar consequências graves, incluindo a morte, em indivíduos saudáveis, não apenas em grupos de risco, como idosos e pacientes com comorbidades, segundo Rameix-Welti.
“O que tememos é que o vírus se adapte aos mamíferos, e particularmente aos humanos, tornando-se capaz de transmissão de pessoa para pessoa”, disse a pesquisadora à agência Reuters.
O H5N1 é considerado atualmente a maior ameaça pandêmica do mundo. “Uma pandemia de gripe aviária provavelmente seria bastante grave, potencialmente até mais grave do que a pandemia que vivenciamos”, afirmou.
No Brasil, o primeiro caso de detecção do vírus da influenza aviária de alta patogenicidade (IAAP) em um matrizeiro de aves comerciais foi confirmado em 15 de maio deste ano pelo Ministério da Agricultura e Pecuária (Mapa).
A ocorrência levou 42 países a suspenderem temporariamente as importações de carne de frango do Brasil, ou apenas do Rio Grande do Sul ou do município de Montenegro (RS), onde foi confirmado o foco da doença. No dia 18 de junho o país voltou a ser declarado livre da enfermidade em granjas comerciais.
Em 20 anos, 633 milhões de aves morreram ou foram abatidas por causa de gripe aviária
Desde que a linhagem viral H5Nx foi identificada, em 1996, na China, várias ondas de transmissão intercontinental do agente patogênico já ocorreram.
Em duas décadas, entre 2005 e 2024, a IAAP levou à morte ou ao abate em massa de 633 milhões de aves, de acordo com a Organização Mundial de Saúde Animal (OMSA).
Conforme o último relatório da entidade, divulgado no fim de novembro, foram registrados 1.896 surtos em aves silvestres em 54 países entre setembro do ano passado e o último mês de outubro. Em aves domésticas ou de criadouro, as ocorrências chegaram a 1.399 em 52 territórios.
Infecções de humanos por H5N1 resultaram em 48% de letalidade
Os primeiros casos em humanos foram diagnosticados em 1997, em Hong Kong, com 18 pessoas infectadas e seis mortes. Todos os genes do vírus eram de origem aviária — ou seja, o vírus foi transmitido diretamente de aves para as pessoas.
Novos casos surgiram em 2003, quando três pessoas de uma mesma família foram infectadas após visitarem a província de Fujian, na China, e duas morreram.
Segundo a OMSA, desde então, foram relatados mais de 2,5 mil casos de transmissão de aves para humanos de vários subtipos da gripe aviária (principalmente H5N1, H7N9, H5N6, H9N2).
Dos 976 casos humanos de infecção por H5N1 confirmados até maio deste ano, 470, ou 48%, resultaram na morte do paciente.
Evidências apontam que transmissão já ocorre entre mamíferos
Nos últimos anos, especialmente desde 2022, houve um aumento expressivo de notificações de infecção por H5N1 em mamíferos silvestres e domésticos, sugerindo que mutações já adaptaram o vírus à transmissão entre espécies dessa classe.
Este ano, a OMSA classificou a infecção por IAAP em bovinos como uma doença emergente. Somente nos Estados Unidos, entre março de 2024 e a última quinta-feira (4), 1.083 ocorrências foram confirmadas em animais da espécie em 18 estados.
No mesmo período houve ainda 671 diagnósticos em outros mamíferos em território americano.
A doença levou o setor agropecuário do país a enormes prejuízos. Somente entre setembro e novembro, foram eliminados 9,14 milhões de aves – os casos geralmente recuam em dezembro, possivelmente em razão das rotas migratórias dos animais silvestres.
Desde 2022, foram 184 milhões de aves abatidas, entre criações comerciais, domésticas e espécies selvagens. Estima-se que o prejuízo do setor possa ter ultrapassado US$ 1 bilhão, enquanto os preços dos ovos dispararam no país.
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Um estudo publicado na Nature Communications aponta que, nos rebanhos de gado leiteiro, cada animal infectado pode gerar prejuízo de até US$ 950, considerando perda de produção de leite e, em caso de morte ou abate, a perda do animal.
Europa cria plano para lidar com gripe aviária em caso de pandemia em humanos
Segundo reportagem do The Telegraph, ministros da saúde europeus receberam na quinta-feira um documento do Centro Europeu de Prevenção e Controle de Doenças (ECDC, na sigla em inglês) que recomenda que os países se preparem para aumentar a capacidade hospitalar, incentivar o uso de máscaras e isolar pessoas doentes como forma de prevenir uma pandemia da doença em humanos.
O plano define medidas que devem ser tomadas caso o H5N1 sofra mutações e passe a se espalhar entre humanos, a serem adotadas antes que o vírus possa desencadear uma pandemia.
“A persistente circulação global de vírus da gripe aviária – particularmente o H5N1 – entre aves selvagens, aves domésticas e, cada vez mais, mamíferos, aumenta a preocupação com o risco de transmissão zoonótica”, afirma o plano do ECDC, consultado pelo periódico britânico.
Citada pela publicação, a Agência de Segurança Sanitária do Reino Unido (UKHSA) afirma que o risco de mutação do vírus H5N1 para transmissão entre humanos é “muito baixo”.
“Embora o risco atual para a população europeia seja baixo, a gripe aviária continua a representar uma séria ameaça à saúde pública devido aos surtos generalizados entre animais em toda a Europa”, afirmou Edoardo Colzani, Chefe da Divisão de Vírus Respiratórios do ECDC.
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Fonte: Gazeta do Povo









