Depois de ouvir técnicos sobre as fraudes envolvendo os descontos ilegais contra aposentados e pensionistas, a Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) do INSS agora avança sobre o mundo político. Nesta segunda-feira (8), o ex-ministro da Previdência Social Carlos Lupi será ouvido pelo colegiado. Na quinta-feira (11), o grupo deve ouvir José Carlos Oliveira, atualmente conhecido como Ahmed Mohamad Oliveira Andrade, ex-chefe da pasta durante o governo do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL).
O comparecimento dos ex-ministros é fruto de um acordo entre governo e oposição para que sejam ouvidos os responsáveis pela pasta de 2015 a 2025, período estabelecido pela CPMI para investigar o esquema. Inicialmente, os ex-ministros seriam convocados pelos parlamentares, ou seja, seriam obrigados a ir. Entretanto, houve entendimento entre governo e oposição para transformar as convocações em convites – o comparecimento é voluntário, mas garantido e menos constrangedor.
O depoimento de Lupi na CPMI não será o primeiro encontro do presidente do PDT com os parlamentares. Após a deflagração da Operação Sem Desconto, em abril, ele falou em comissões na Câmara e no Senado.
Na ocasião, ele admitiu que sabia dos descontos, alegando que “havia algum descontrole” no INSS, o que era de conhecimento público há tempos. “Só tive conhecimento dessa ação da CGU [Controladoria-Geral da União] depois que foi deflagrada. Até pelo caráter que ela tinha de sigilo. Ninguém tinha acesso ao que eles estavam fazendo. No dia da operação tive acesso e agora, depois que caiu o sigilo, que a gente teve acesso às informações”, disse Lupi à Comissão de Previdência da Câmara na época. Sobre a oitiva desta segunda-feira, o presidente do PDT afirmou à CNN que está com a “consciência e alma tranquilas”.
Na avaliação do deputado federal Marcel van Hatten (Novo-RS), membro da CPMI, Lupi teria “prevaricado ao não adotar as providências necessárias para evitar a explosão da farra dos descontos associativos”.
“Quem age ou quem é omisso sobre essa fraude contra aposentados e pensionistas não pode ficar impune! Vale lembrar que Lupi também foi demitido durante o governo Dilma após denúncias de irregularidades envolvendo convênios do Ministério do Trabalho com ONGs”, disse o deputado à Gazeta do Povo.
Também estão previstas para a semana as oitivas dos empresários Antônio Carlos Camilo Antunes, conhecido como “Careca do INSS”, e Maurício Camisotti. O primeiro deve ser ouvido no dia 15 de setembro (segunda-feira) e o segundo está previsto para o dia 18 (quinta-feira).
Antunes é apontado como operador central do esquema de desvios de verbas. Ele seria responsável por intermediar relações financeiras entre associações fraudulentas e servidores públicos, além de atuar nas movimentações financeiras das entidades envolvidas, que chegaram a R$ 53 milhões. Camisotti é suspeito porque suas empresas são ligadas a pelo menos três associações que receberam recursos irregulares do INSS. Elas movimentaram milhões em verbas entre 2016 e 2024 em transações consideradas suspeitas.
Ex-ministro de Bolsonaro pode ter sigilo bancário quebrado
Ex-ministro da Previdência de Bolsonaro, José Carlos de Oliveira é alvo de um requerimento protocolado pelo senador Izalci Lucas (PL-DF) que pede a quebra de sigilo telemático e o compartilhamento de dados financeiros — o que significa a quebra de sigilo bancário. O pedido ainda não foi votado pela CPMI.
Segundo o senador, a entrega do RIF (Relatório de Inteligência Financeira) pelo Coaf (Conselho de Controle de Atividades Financeiras) é um passo investigativo “indispensável” para que os parlamentares possam verificar a consistência das movimentações financeiras do ex-ministro no período em que as fraudes ocorriam “com máxima desenvoltura”.
“As suspeitas que recaem sobre o senhor José Carlos Oliveira não são meras ilações, mas derivam de elementos concretos e perturbadores apontados pela própria Polícia Federal”, afirma Izalci no requerimento.
CPMI expõe ciência de órgãos sobre fraudes no INSS
Os depoimentos prestados nas últimas semanas à Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) do INSS consolidaram o marco temporal definido pelo relator Alfredo Gaspar (União-AL) em seu plano de trabalho. O deputado estabeleceu que as investigações abrangerão o período de 2015 a 2025, alcançando os governos Dilma Rousseff (segundo mandato), Michel Temer, Jair Bolsonaro e Luiz Inácio Lula da Silva.
Na quinta-feira (4), a diretora de Auditoria de Previdência e Benefícios da Controladoria-Geral da União (CGU), Eliane Veiga Mota, afirmou que já em 2014 existiam Acordos de Cooperação Técnica (ACTs) firmados entre o INSS e entidades que hoje são alvo de apurações por descontos irregulares. Ela também relatou que, mesmo com parecer contrário, o INSS renovou, em 2024, o ACT com a Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (Contag), a entidade que mais realiza descontos associativos na folha de beneficiários do INSS.
Questionada sobre quem deveria responder pela fiscalização dos acordos de cooperação técnica (ACTs), Eliane foi categórica: “A supervisão e o acompanhamento dos ACTs [são] responsabilidade do INSS”.
A servidora da CGU explicou que, embora houvesse mecanismos tecnológicos na Dataprev, não existia verificação sobre os nomes incluídos pelas associações nem acompanhamento das autorizações apresentadas. “Não havia nenhum tipo de acompanhamento da documentação de suporte para os descontos”, afirmou.
No dia 28 de agosto, a defensora pública federal Patrícia Bettin, primeira a depor na CPMI, chamou atenção para a atuação do Ministério Público Federal (MPF). Ela relatou que, em julho deste ano, o órgão decidiu encerrar, sem justificativas, o grupo de trabalho interinstitucional (GTI) responsável por investigar denúncias de descontos indevidos contra aposentados e pensionistas.
“Esse grupo de trabalho foi extinto pelo Ministério Público Federal um mês atrás. Não tivemos ciência da motivação; apenas foi comunicado à Defensoria Pública da União que o GTI seria extinto”, declarou Patrícia.
A Gazeta do Povo procurou o INSS e o MPF sobre as declarações emitidas nas oitivas, mas não teve retorno até o fechamento desta reportagem. Em nota, a Contag negou as irregularidades e afirmou que a “Advocacia-Geral da União (AGU) não requereu o bloqueio de bens da Confederação, justamente por inexistirem indícios ou elementos que apontem a prática de fraudes pela entidade”.
Relembre o escândalo do INSS
As denúncias de descontos ilegais em aposentadorias e pensões ganharam repercussão nacional em abril de 2025, com a deflagração da Operação Sem Desconto, conduzida pela Polícia Federal (PF) em parceria com a Controladoria-Geral da União (CGU).
Dados da Controladoria-Geral da União (CGU) e da Polícia Federal (PF) estimam que até R$ 6,3 bilhões em descontos das folhas de pagamento de aposentados e pensionistas entre 2019 e 2024 podem ter sido afetados por irregularidades. Por amostragem, uma auditoria entrevistou 1.273 beneficiários nas 27 unidades da federação e constatou que 97,6% deles disseram não ter autorizado os débitos. O levantamento também apontou problemas em 31 entidades.
O golpe utilizava assinaturas falsificadas para cadastrar falsos associados e justificar os descontos. Normalmente, os valores giravam em torno de R$ 70 por mês, mas em alguns casos eram ainda maiores. O dinheiro era transferido a entidades que alegavam oferecer assistência jurídica, financeira ou de saúde — serviços que, segundo os beneficiários, jamais foram contratados.
Muitos aposentados só descobriram a fraude ao perceber que seus benefícios vinham reduzidos. Ao consultar os extratos, eles encontraram descontos em favor de associações desconhecidas. A Polícia Federal apurou que o volume mais expressivo de recursos desviados ocorreu durante o governo Lula (PT), período que concentrou cerca de 60% do total movimentado.
FonteGazeta do Povo