Com a apresentação dos votos dos ministros, o julgamento do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) avança no Supremo Tribunal Federal (STF). Após a apresentação dos cinco votos, um dos pontos cruciais será os debates sobre a dosimetria da pena, que diz respeito ao tempo de pena a ser aplicada aos condenados.
O sistema penal brasileiro adota o modelo trifásico para estabelecer a dosimetria da pena. Na primeira, os magistrados fixam a pena-base, escolhendo um ponto dentro da faixa prevista em lei para o crime. Por exemplo, no caso do golpe de Estado, a pena vai de quatro a 12 anos de reclusão. A escolha entre esses limites leva em consideração fatores como a culpabilidade do réu, os antecedentes, sua conduta social, sua personalidade, as circunstâncias do crime e suas consequências.
A advogada constitucionalista Vera Chemim aponta que na primeira etapa é fixado também o regime inicial (fechado, aberto ou semiaberto) a ser aplicado. “Além de possibilidade de substituição da pena privativa de liberdade por outra, se for cabível”, acrescenta.
Na segunda fase, é verificada a existência de circunstâncias agravantes ou atenuantes. Abusar do cargo público ou recorrer à violência, por exemplo, são agravantes; já a confissão espontânea ou a idade avançada podem ser consideradas atenuantes.
Na terceira fase, são aplicadas as causas de aumento ou diminuição de pena, como o uso de armas de fogo em uma organização criminosa ou a participação de funcionários públicos. O advogado criminalista Bruno Gimenes Di Lascio ressalta que a presença de causas de diminuição e aumento devem estar descritas desde a peça de denúncia criminal e comprovadas solidamente nos autos. “Por exemplo, no caso do crime de organização criminosa, o aumento da pena até a metade se na atuação da organização criminosa houver emprego de arma de fogo”, explicou.
Assim, ao tratar da dosimetria, a Primeira Turma do STF, responsável pelo julgamento, vai fixar a pena correspondente aos limites legais de cada crime, além de analisar a culpabilidade dos réus, os antecedentes criminais, bem como a sua conduta no processo. São, também, analisadas as circunstâncias em que os crimes foram cometidos e a sua gravidade, bem como os motivos e consequências dos atos de cada réu.
A expectativa dentro do STF é de condenação. A incerteza maior, porém, está justamente na definição da pena. Além das divergências já apresentadas nos votos do ministro Luiz Fux e sinalizações do ministro Flávio Dino de que as penas não serão iguais para os oito réus no processo, é nessa etapa que os ministros podem apresentar divergências mais visíveis.
Qual pode ser a pena de Bolsonaro e dos demais réus?
As acusações contra Bolsonaro e outros réus envolvem crimes com penas altas, que, somadas, podem alcançar décadas de prisão. Ao apresentar a denúncia, a Procuradoria-Geral da República (PGR) pediu a condenação de Bolsonaro e dos demais réus por cinco crimes, com pena mínima total de 12 anos e máxima superior a 40 anos.
O professor de Direito Penal do Ibmec-DF, Tedney Moreira, reforça que a pena isolada mais grave é a do crime de golpe de Estado, “que vai de quatro a 12 anos de reclusão”. Contudo, lembra que o ex-presidente responde por outros delitos, como liderança de organização criminosa, dano ao patrimônio da União e tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito, “que, somadas as penas, podem chegar ao montante de 40 anos de reclusão”.
Apesar desse cálculo, advogados ouvidos pela Gazeta do Povo lembram que a legislação brasileira estabelece um limite. “Mesmo que a quantidade de pena imposta ultrapasse aquele limite, o artigo 75 do Código Penal fixa o máximo de 40 anos de cumprimento efetivo”, explica a constitucionalista Vera Chemim.
Um ponto que deverá entrar em debate será a acusação de organização criminosa armada, cuja pena varia de três a oito anos. Ela pode ser aumentada pela metade se houver uso de armas e de um sexto a dois terços se houver participação de funcionários públicos. Em tese, por ser o suposto líder da organização, como aponta o relator Alexandre de Moraes, Bolsonaro poderá receber acréscimos.
O debate jurídico: somar ou absorver as penas?
Além do crime de golpe de Estado e de formação de organização criminosa, a tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito pode resultar em penas entre quatro e oito anos. Ao estabelecer a pena da condenação aos réus, uma das maiores controvérsias jurídicas que deve ser enfrentada no processo em julgamento está na discussão sobre a soma ou absorção das penas. Em tese, quando um crime é praticado apenas como meio para outro, pode ocorrer a absorção — ou princípio da consunção.
O advogado criminalista Rafael Paiva avalia que esse argumento não deve prosperar. “Parece-me difícil o STF adotar essa tese. A tendência é que, havendo condenação, a pena dos crimes seja somada”, destaca.
Bruno Gimenes Di Lascio, também advogado criminalista, discorda. Para ele, os dois crimes de golpe são, na verdade, um mesmo delito, pois não é possível depor um governo sem impedir o exercício de poderes constitucionais, assim como não é possível impedir tais poderes sem depor o governo que poderia resguardá-los. “Os dois crimes de golpe são, na verdade, um mesmo delito. A má redação legislativa nos trouxe a um cenário de dupla punição por um mesmo fato, o chamado ‘bis in idem’. É urgente que o STF revise todas as condenações duplicadas”, advertiu Di Lascio referindo-se aos crimes de tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito e golpe de Estado.
A advogada constitucionalista Vera Chemim, por sua vez, lembra que a posição predominante no STF é a soma. “A tendência é a aplicação do concurso material, em que os crimes são autônomos e as penas devem ser somadas”, disse.
FonteGazeta do Povoe