Pelo menos seis pessoas atuantes na Comissão de Anistia do Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania (MDH), dentre elas servidores, prestadores de serviços e estagiários, foram afastadas das funções após sofrerem assédio moral, perseguição e má gestão no trabalho. Algumas passaram a necessitar de tratamento psicológico combinado com medicamentos por não suportarem os impactos do ambiente.
As denúncias e os relatos contra a ex-coordenadora-geral da Comissão de Anistia, Sônia Maria Alves da Costa, indicam que as consequências das ações dela foram severas para a saúde mental da equipe. Membros revelam combinação de controle autoritário, intolerância a críticas e retaliações contra quem tentava expor ou corrigir falhas da gestão, criando um ambiente marcado pelo medo e silêncio.
Apesar de denúncias no Fala.BR, da instauração de um Processo Administrativo Disciplinar (PAD) e de uma análise de clima organizacional que constatou condutas inadequadas por parte da chefia, nenhuma providência efetiva foi tomada durante o período em que a coordenadora permaneceu no cargo. Sônia Maria pediu exoneração na quarta-feira (13/8). A portaria foi publicada no Diário Oficial da União (DOU), na sexta-feira (15/8).
Mesmo com a saída recente da coordenadora, membros da Comissão relataram ao Metrópoles medo de que não haja responsabilização pelo assédio moral e, também, um sentimento coletivo de desassistência por parte de instâncias que deveriam garantir direitos trabalhistas e proteção institucional. A maioria continua receosa de expor denúncias ou buscar apoio, temendo retaliações futuras.
A Comissão de Anistia é um órgão de assessoramento direto e imediato ao ministro de Estado dos Direitos Humanos e da Cidadania, com a finalidade específica de analisar requerimentos de anistia que apresentem comprovação inequívoca de perseguição de caráter, exclusivamente, político.
Primeiros sinais de assédio
De acordo com membros da Comissão, que pediram para não serem identificados, os primeiros sinais de assédio moral surgiram ainda em 2023, quando começaram a ser relatados episódios frequentes de constrangimento, sarcasmo, intimidação e atitudes de desrespeito por parte da coordenadora.
Inicialmente, a motivação estaria ligada ao fato de que os funcionários foram herdados da gestão da atual senadora Damares Alves (Republicanos-DF), que atuou como ministra do Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos durante o governo de Jair Bolsonaro (PL).
À época, uma análise do clima organizacional apontou diversas condutas inadequadas por parte da chefia. Por causa das denúncias, foi realizada uma reunião com a coordenadora Sônia Maria, que teria transformado “o espaço de escuta e resolução em um momento de maior constrangimento e intimidação”.
Durante a reunião, a coordenadora fez menções veladas a possíveis demissões, uso de sarcasmo e tentativas de desunir a equipe, agravando ainda mais o ambiente de trabalho, relatam as fontes.
PAD e retaliações
Em 2024, foi instaurado PAD para apurar a conduta da coordenadora, após diversas denúncias. Os prestadores foram convocados a testemunhar e, segundo os relatos, como consequência dos depoimentos, os episódios de assédio foram intensificados.
“Casos emblemáticos envolvem duas prestadoras, que foram confrontadas diretamente, com menções ao conteúdo de seus depoimentos, em um claro movimento de retaliação e quebra de sigilo”, afirma uma das pessoas ouvidas pelo Metrópoles.
A coordenadora, diz a fonte, permaneceu no cargo durante todo o trâmite do PAD, sem afastamento preventivo, o que teria agravado ainda mais a situação.
Em maio do mesmo ano, Sônia Maria organizou reunião com todos os terceirizados da Comissão para tentar compreender o motivo das denúncias contra ela. O encontro teria sido marcado pela exposição de um funcionário, afastado por razões de trabalho, ameaça de demissão a trabalhadores em período de experiência e intimidação, “que deixou todos receosos de falar ou buscar apoio junto às empresas prestadoras de serviço”.
“Na ocasião, foi dito que ‘a empresa nada faria’. Quem mandava ali era ela. Ela era a chefe.”
Segundo os relatos, o ambiente interno de trabalho ficou dividido entre aqueles que se calavam por medo de perder o emprego e os que não se calavam, mas acabavam isolados, criando uma atmosfera de tensão constante.
O clima de medo levou a medidas de isolamento: alguns passaram a almoçar em espaços separados para evitar contato com a equipe principal, improvisando locais em outros andares do edifício.


Espaço improvisado para refeições
Cedido ao Metrópoles

Espaço improvisado para refeições
Cedido ao Metrópoles

Espaço improvisado para refeições
Cedido ao Metrópoles

Espaço improvisado para refeições
Cedido ao Metrópoles
Impactos psicológicos
O impacto psicológico foi significativo. Servidores e prestadores de serviço passaram a necessitar de acompanhamento médico e psicológico para lidar com o ambiente hostil após desenvolverem quadros de ansiedade, estresse intenso e sensação de impotência, decorrentes do medo constante de retaliação e das pressões diárias no trabalho.
“Meus direitos foram ignorados, e a integridade física e mental de terceirizados não é prioridade dentro do órgão, que, ironicamente, leva o nome de ‘Direitos Humanos’. Hoje, estou em tratamento psicológico e medicada devido aos danos emocionais causados”, relata uma fonte. “De direitos humanos, muitos desses espaços só têm o nome”, afirma ela.
O Metrópoles também teve acesso ao laudo psicológico de um dos colaboradores que denuncia os assédios (foto abaixo) – ele precisou ser afastado do ambiente de trabalho. No texto, a psicóloga responsável afirma que, inicialmente, o paciente havia procurado ajuda para lidar com questões familiares, mas que, com o andamento das sessões, a demanda principal precisou ser alterada para “questões relacionadas ao ambiente de trabalho”.
“Durante os atendimentos, foram observados sinais compatíveis com quadro de esgotamento profissional, tais como: sentimentos de desesperança e fracasso, dificuldade de concentração e tomada de decisões, irritabilidade e alterações emocionais frequentes, alteração no sono, alterações no apetite e quadro de ansiedade acentuada diante de demandas laborais.”
Essa pessoa foi diagnosticada com Síndrome de Burnout, que é o estado de exaustão vital relacionado ao estresse crônico no ambiente de trabalho. A síndrome pode levar a outras condições de saúde mental, como depressão e ansiedade, além de problemas físicos.

Apuração de assédio
Em agosto do ano passado, o Metrópoles noticiou que o Ministério dos Direitos Humanos apurava denúncia de assédio moral dentro da cúpula da Comissão de Anistia contra servidores herdados da gestão Damares.
À Ouvidoria um servidor afirmou que o assédio moral da chefia do colegiado era frequente e afetava a saúde da equipe. De acordo com ele, a cúpula da comissão agia de forma autoritária ao duvidar publicamente do grupo e afirmar que os funcionários eram da gestão de Damares Alves.
Ainda segundo a denúncia, os servidores eram acusados de expressar divergências ideológicas com a comissão, que reconhece vítimas da ditadura militar. Na época, ao portal Sônia Maria disse que desconhecia a denúncia e que “jamais agiria dessa forma”.
Denúncia aos ministros
Já no mês de setembro de 2024, uma carta-denúncia foi enviada ao então ministro dos Direitos Humanos, Silvio de Almeida, via protocolo Fala.BR, à qual o Metrópoles teve acesso.
Por meio do documento, o remetente expressava ao ministro tristeza em relação a um despacho feito pela coordenadora-geral da Comissão de Anistia que apontava falta de confiança na equipe administrativa.
“… esse risco existe, pois, a grande maioria dos integrantes da equipe administrativa foi herdada da gestão passada, da então Ministra Damares Alves, e com alguma frequência tais pessoas demonstram enorme divergência ideológica e por esse motivo há dificuldade de compreensão com o trabalho feito pela Comissão”, afirmou a coordenadora no despacho citado.
A carta alertava: “O assédio moral persiste e é um problema recorrente que afeta a motivação e saúde da equipe. A falta de habilidade da servidora em fazer a Gestão de Pessoas é evidente, já que muitas vezes age de forma autoritária, lembrando que é a chefe. É importante conscientizar sobre essa questão”.
O remetente ainda lamentou que, no âmbito dos direitos humanos, existam casos de assédio moral e autoritarismo, especialmente quando partem de líderes que deveriam ser exemplo.
“É triste ver uma coordenadora falar mal de sua própria equipe, composta por indivíduos dedicados e comprometidos. Isso sugere que apenas aqueles com as mesmas visões políticas, ideológicas e crenças são valorizados, o que é preocupante. Muitos membros da equipe administrativa permanecem desde o primeiro mandato do nosso Presidente Luiz Inácio Lula da Silva.”
A carta nunca foi respondida. Os membros afirmam que também fizeram denúncias à ministra Macaé Evaristo, que assumiu a pasta em setembro.
Respostas
As denúncias foram direcionadas ao Ministério dos Direitos Humanos, à Controladoria-Geral da União (CGU) e a outros órgãos competentes, mas, segundo as fontes, nenhuma ação efetiva foi tomada para proteger a equipe ou responsabilizar a gestão.
O Metrópoles entrou em contato com o MDHC, que afirmou que as denúncias referentes à servidora foram apuradas internamente e as medidas cabíveis adotadas, por meio da aplicação de advertência.
O MDHC reiterou, ainda, que a coordenadora não integra mais o quadro da pasta.
A CGU, por sua vez, disse que não comenta a eventual existência ou inexistência de investigações em face de agentes públicos antes de sua conclusão.
A reportagem também procurou a ex-coordenadora-geral da Comissão de Anistia, Sônia Maria Alves da Costa, que não respondeu. O espaço segue aberto para manifestações.
FonteMetrópoles









