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O ciclone que derrubou o CEO do Natal

O ciclone que derrubou o CEO do Natal


Papai Noel inflável é derrubado por ventania na Avenida Paulista, em cena que expõe os efeitos do clima extremo

Fábio Vieira/Fotorua/Estadão Conteúdo
Imagem aérea de boneco de Papai Noel caído na decoração de Natal da Avenida Paulista, na região central da capital paulista

Outro dia, aproveitei a ventania do dia para arejar os pensamentos caminhando pela Avenida Paulista. Soube, mais tarde, que o vento que me deixou descabelada foi um ciclone na cidade, daqueles que só quem vive o dia a dia do enlouquecimento climático vivencia. Embora fotógrafa sem grandes pretensões profissionais, aproveitei para registrar algumas imagens, prazer criativo que carrego desde sempre. O fato é que, bem à minha frente, jazia o bom velhinho, o símbolo máximo do Natal de qualquer shopping centre que se preze, derrubado pelo sopro de um vento de proporções quase bíblicas. O Papai Noel inflável, braços abertos em súplica, olhos voltados ao céu azul, parecia implorar: “Perdoai-os, Senhor, eles não sabem o que fazem”.

Agindo como justiceiro perceptível, embora invisível, o vento mostrou-se cansado da performance anual. Nocauteou-o. Game Over. Talvez tenha sido um protesto climático contra o consumismo disfarçado de espírito natalino. Talvez a própria natureza tenha dito: “Chega de Coca-Cola travestida de crença”.

Porque, convenhamos, foi ela, a de bolhas efervescentes, quem para sempre vestiu o bom velhinho no uniforme corporativo: vermelho vivo, detalhes de “pele” (nos anos 1930, a coisa era ‘mais raiz’, como se diz) equipando-o com coturnos de cano alto, gorro felpudo e agasalhos de flanela, um traje completo para o Ártico, destinado a suportar nosso verão natalino de 35 graus.

Criou-se assim um deus pop, uma figura que cativa céticos e consumidores, unindo todos sob o mesmo refrigerante. E agora estava ali, tombado como um mártir da publicidade, vítima não do pecado original, mas do vento que finalmente cansou da performance anual.

Difícil não lembrar, nesse cenário insano, de São Nicolau, bispo discreto do século IV, que distribuía moedas e esperança em silêncio, sem precisar de jingle, lata ou Wi-Fi. De herói cristão a mascote publicitário, o percurso do bom velhinho foi um longo escorregão. Se Nicolau visse sua reencarnação inflável amarrada por cordas e vencida por rajadas, talvez pedisse baixa por motivos espirituais.

Talvez tenha sido só um vento forte. Talvez o clima, que anda mais perdido que presente comprado pelos correios, resolveu dar um recado em plena Avenida Paulista. Um sopro aqui, uma lufada ali, e o bom velhinho de plástico voa para o chão como se tivesse sido excomungado pelo El Niño. No fim, acredito que ninguém sabe direito o que aconteceu. O clima não sabe, os pedestres não sabem, os governos não sabem, quiçá os nobres congressistas depois dos 52 vetos que enfraquecem a fiscalização ambiental, saibam. A empresa de refrigerantes, essa sim, parece estar preocupada em equilibrar a sua imagem e a demanda pelo ESG.

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Por enquanto, resta-me olhar o Papai Noel estatelado, braços abertos em rendição e pensar, como ele talvez pensasse, se tivesse alma: “Perdoai-os, Senhor, eles não sabem o que fazem.” Mas seguem fazendo. Ano que vem tem mais. E enquanto o bom velhinho de plástico aguarda o conserto ou a aposentadoria por insustentabilidade, nós, pedestres, seguimos caminhando pela Paulista, desviando não só dos cacos do símbolo, mas da pergunta que o vento trouxe e que ninguém parece ouvir.

*Esse texto não reflete, necessariamente, a opinião da Jovem Pan.

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