País é enorme e regiões climáticas muito distintas permitem bebidas de perfis bastante variados
A história do vinho na China é uma mistura de raízes antigas e de uma revolução industrial relativamente recente. Há evidências de uso de uvas e bebidas fermentadas já na Dinastia Han (206 a.C.–220 d.C.), mas a produção de vinhos em estilo europeu e a viticultura moderna só ganharam impulso a partir do fim do século XIX — quando surgiram as primeiras adegas empresariais, que lançaram as bases da indústria que vemos hoje. Um marco simbólico dessa transição é a fundação da Changyu (changyu.com.cn) em 1892, frequentemente apontada como a primeira grande vinícola industrial chinesa e responsável por algumas das primeiras garrafas de vinho comercializadas localmente.
A China é enorme e regiões climáticas muito distintas permitem vinhos de perfis bastante variados. Entre as regiões que mais se destacam hoje estão:
Ningxia (Helan Mountains) — talvez a região mais celebrada dos últimos 20 anos por produzir tintos de alta qualidade, com noites frias, altitude e solos de cascalho que ajudam a concentrar cor e taninos. É ali que estão produtores como Silver Heights, que se tornaram referência de estilo e qualidade. (decanter.com)
Shandong/Yantai (Penglai) — berço da indústria moderna (Changyu) e importante para produção em larga escala, clima marítimo-temperado com influência de monções. (decanterchina.com)
Xinjiang e Gansu — regiões continentais, muito secas e ensolaradas; oferecem condições para variedades que pedem calor diurno.
Yunnan (alta montanha, província sudoeste) — abriga projetos de altitude como Ao Yun (associado a investimentos internacionais), buscando produzir tintos de alta expressão em altitudes elevadas. (JamesSuckling.com)
Hebei, Shanxi e outras áreas em expansão — novas sub-regiões têm atraído consultores estrangeiros e projetos de menor escala com foco em terroir.
Cada micro-região tem seus desafios: geadas severas no inverno, chuvas concentradas no período de maturação (monção), e, em muitos locais, necessidade de irrigação controlada. Esses fatores forçam medidas técnicas (proteção de inverno, poda, manejo do solo) e influenciam o estilo final.
A China plantou massivas áreas de videira nas últimas décadas — nem sempre apenas para vinho, mas também para mercado de uva de mesa. No entanto, entre as variedades especificamente utilizadas para vinho, Cabernet Sauvignon ocupa papel dominante nas plantações vinícolas e é a base dos tintos mais conhecidos; outras variedades populares incluem Merlot, Cabernet Franc, Chardonnay e Pinot Noir em crescimento. Ao mesmo tempo, a viticultura chinesa explora espécies nativas como Vitis amurensis (a “uva do Amur”), usada tanto em melhoramento genético (para resistência ao frio e a doenças) quanto, em casos, na vinificação mista para lidar com climas extremos. Essas características têm impulsionado pesquisas sobre vinificação e cruzamentos para gerar uvas adequadas ao clima local.
No processo de cave, muitas vinícolas chinesas adotaram técnicas europeias contemporâneas: maceração controlada, fermentações em aço inox ou carvalho, utilização de leveduras selecionadas, micro-oxigenação quando necessário, e estágio em barricas (principalmente para tintos de guarda). Projetos de alta gama tendem a contratar consultores estrangeiros ou treinados no exterior para alinhar práticas de vinificação às expectativas dos mercados internacionais.
Falar em “caráter chinês” é arriscado, dada a variedade de terroirs e estilos, mas algumas tendências saltam aos olhos. Neste diapasão, quando tratamos dos tintos vê-se que a maioria segue um perfil inspirado no Bordalês — frutas negras (amora, cassis), taninos firmes e, em exemplos de qualidade, boa estrutura e capacidade de envelhecimento. Em Ningxia e algumas áreas de altitude, a acidez fresca das noites e os solos pedregosos ajudam a obter vinhos mais equilibrados e concentrados. Já os brancos, historicamente menos dominantes que os tintos no imaginário do mercado chinês, podem variar de estilos frescos e florais (Chardonnay mais leve, Riesling em climas frios) a brancos mais encorpados quando fermentados em madeira. A preferência interna tem mostrado uma inclinação por brancos em certos segmentos, abrindo espaço para diversidade.
A China foi, por anos, apontada como um dos maiores mercados em volume, mas o consumo per capita permanece baixo comparado aos países europeus. Grande parte do salto técnico das últimas décadas veio via investimentos e parcerias internacionais: consultores clássicos (enólogos franceses e europeus), projetos de casas famosas (por exemplo, iniciativas de casas como LVMH com Ao Yun em Yunnan) e colaborações industriais (projetos conjuntos como Changyu Moser XV) indicam que capital, know-how e marcas estrangeiras têm papel ativo na profissionalização do setor chinês. Isso elevou a ambição de produzir rótulos competitivos no mercado global.
A maior parte da produção chinesa é consumida internamente; contudo, rótulos de alta gama e projetos “de assinatura” (Ao Yun, alguns exemplares de Silver Heights, Grace Vineyard, entre outros) têm presença em mercados selecionados — sobretudo em seletos restaurantes, distribuidores especializados e leilões internacionais. Na Europa e nas Américas, a presença é ainda pequena e concentrada: importadoras de vinho, eventos enológicos e lojas especializadas são os pontos mais prováveis para quem quer provar vinhos chineses fora da China.
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A cena vinícola chinesa está em uma fase de consolidação: qualidade técnica em ascensão, projetos de prestígio e uma clara busca por identidade. Ao mesmo tempo, desafios estruturais — clima, flutuações no consumo interno, necessidade de maior diversidade de variedades adaptadas e fortalecimento da exportação — dizem respeito à estrada que ainda precisa ser percorrida. Para o enófilo curioso, hoje existe um convite excitante: experimentar vinhos chineses e acompanhar em tempo real a formação de um novo capítulo no mapa mundial do vinho — ora experimental, ora surpreendentemente clássico. Afirmo: em breve teremos muitos rótulos chineses por aqui. Salut!
*Esse texto não reflete, necessariamente, a opinião da Jovem Pan.
FonteJovem Pan News









