O pastor Silas Malafaia subiu o tom contra a Polícia Federal e o ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), em seu discurso na manifestação na Avenida Paulista, em São Paulo, no 7 de Setembro, mesmo em um cenário em que pode ser punido com novas medidas de restrição às suas liberdades individuais. O religioso já tinha sido proibido de fazer viagens internacionais e teve cadernos de anotações apreendidos. Seu discurso na manifestação foi monitorado pela polícia.
Durante a manifestação de 7 de Setembro, Malafaia chamou parte da Polícia Federal que atua mais próxima do ministro de “Gestapo de Alexandre de Moraes”, numa referência ao que ele considerou que seriam métodos parecidos com os da polícia secreta do regime nazista.
O pastor também desafiou Moraes a vazar conteúdos de conversas no celular apreendido. “Alexandre de Moraes, vaze que os vídeos que eu publico, [que] eu mando para quatro ministros do STF, direto no telefone deles. Vaze. Esses ministros estão em conluio? Claro que não. Não tem vídeo secreto. Qual é o meu crime? Eu estou mostrando para vocês o que esse cara faz”, disse.
O líder da Assembleia de Deus Vitória em Cristo vem organizando as principais manifestações contra Moraes, de apoio a Bolsonaro e pela aprovação da anistia. Ele foi alvo de uma série de medidas cautelares determinadas pelo STF, que foram avaliadas por analistas como tentativas de intimidação para diminuir sua capacidade de organização de atos e mobilização popular.
Em agosto, o pastor passou a ser investigado em um inquérito que apura a possível tentativa de obstrução do processo sobre a suposta tentativa de golpe de Estado em andamento no STF. Ao retornar de uma viagem a Portugal, teve o passaporte e o telefone celular recolhidos pela Polícia Federal, além de ser levado para prestar depoimento, mas se manteve em silêncio.
Segundo fontes ligadas à investigação, o discurso de Malafaia no domingo foi acompanhado por investigadores e pode servir para aplicação de eventuais novas medidas cautelares.
Malafaia também usou seu discurso para dizer que, apesar de os inquéritos serem sigilosos, há vazamentos seletivos para criar conflito e eles têm endereço certo: “políticos de direita”, uma referência à divulgação de diálogos entre ele, Bolsonaro e Eduardo Bolsonaro. Malafaia voltou a chamar Moraes de “ditador da toga” e disse que há quatro anos tem divulgado dezenas de vídeos denunciando “crimes do ditador da toga Alexandre de Moraes”.
“Aí ele me incluiu numa investigação. É crime dar opinião? É crime dar conselho? É crime influenciar? Nós somos seres sociais. Todos nós somos influenciados e influenciadores”, criticou. Malafaia foi um dos últimos a discursar na manifestação na Avenida Paulista no 7 de Setembro. Ele voltou a falar que é vítima de uma perseguição religiosa e que há uma “covardia” sendo praticada contra o ex-presidente Bolsonaro e os condenados pelo 8 de janeiro. Criticou a determinação de Moraes de apreensão do seu passaporte, seu celular e seus cadernos religiosos de anotações.
“Um pastor que tem o passaporte apreendido. Os meus cadernos de anotações bíblicas, meu telefone apreendido. Brasileiros fora [do país] porque se estivessem aqui, seriam presos. Que democracia é essa?”, criticou. Ele também disse acreditar que demorou para chegar “sua hora” e ser incluído nas investigações, diante da série de críticas que tem realizado ao longo dos últimos anos.
Há risco da ampliação das cautelares contra Malafaia, segundo juristas
Para analistas ouvidos pela Gazeta do Povo, a depender do andamento das investigações e de eventual descumprimento das restrições já determinadas, embora a prisão não seja considerada provável neste momento, não está descartada a ampliação das medidas cautelares contra o pastor — que podem incluir desde a suspensão de acesso às redes sociais até o monitoramento eletrônico.
Desde agosto, também por determinação de Moraes, Malafaia está proibido de deixar o país e de manter qualquer tipo de comunicação com outros investigados e réus nos processos e inquéritos relacionados à suposta tentativa de golpe de Estado e à obstrução de justiça, incluindo o ex-presidente Jair Bolsonaro e o deputado federal Eduardo Bolsonaro (PL-SP).
A PF teve autorização judicial para acessar seus dispositivos eletrônicos, bem como realizar a quebra de seus sigilos bancário, fiscal e telefônico. Malafaia reagiu dizendo que não tem o que esconder e que apenas tem manifestado sua opinião. “No Brasil, ter uma opinião e criticar ministros tem sido visto como crime. Então, o pastor pode, sim, ser alvo de novas medidas”, reforça o doutor em Direito e comentarista político Luiz Augusto Módolo.
Para o criminalista Márcio Nunes, a depender de como Malafaia avance em suas declarações, como elas forem interpretadas pelo STF, além do que for encontrado nos documentos e aparelhos apreendidos com ele, a Procuradoria-Geral da República (PGR) poderá se manifestar pedindo novas medidas, e o ministro Alexandre de Moraes poderá acatar essas novas restrições. “Isso é sim possível e pode ir desde novas medidas cautelares cada vez mais restritivas até um risco de prisão”, alerta.
Com base no Código de Processo Penal (CPP), Alexandre de Moraes pode determinar outras penalidades a Malafaia, caso ele descumpra as já impostas. Para os juristas, o ministro pode citar possível a análise de risco de fuga, mencionar o possível entendimento de que Malafaia estaria interferindo ou atrapalhando as investigações, ou ainda que ele estaria fazendo contatos com investigados, mesmo que de forma indireta.
“Na situação que temos vivido, tudo é possível. Inclusive ampliar as cautelares contra Malafaia ou mesmo decretar uma prisão. Não vejo uma prisão em um horizonte próximo, a menos que ocorra uma excepcionalidade, mas novas medidas cautelares, a depender do andamento das investigações e de suas manifestações, isso é possível”, reforça o constitucionalista Alessandro Chiarottino.
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Entre as medidas cautelares que ainda podem ser impostas a Malafaia estão:
- Monitoramento eletrônico — utilização de tornozeleira eletrônica para acompanhar seus deslocamentos.
- Recolhimento domiciliar — obrigação de permanecer em casa durante períodos determinados ou em tempo integral, dependendo da gravidade analisada pelo juízo.
- Suspensão de acesso às redes sociais — restrição total ou parcial para evitar a divulgação de conteúdos relacionados às investigações ou ataques ao STF.
- Proibição de exercer determinadas atividades — suspensão de funções ou proibição de participar de atos públicos, entrevistas, eventos e até cultos religiosos.
- Proibição de frequentar locais específicos — especialmente ambientes que facilitem contato com outros investigados ou apoiadores.
- Afastamento de funções em entidades religiosas ou políticas — caso haja o entendimento que ele utilize a posição para influenciar outros investigados ou mobilizar apoiadores.
- Prisão preventiva — medida mais grave, aplicável se houver indícios de que ele tenta obstruir a justiça, coagir testemunhas, reiterar crimes ou fugir do país.
Para Módolo, entre as medidas possíveis, as que estariam mais próximas seriam a suspensão de acesso às redes sociais e mesmo a de frequentar locais específicos, como manifestações. “Além de um importante líder religioso, ele tem influência política. Por entender que ao manifestar sua opinião ele [Malafaia] comete crimes, é possível que Moraes o impeça inclusive de dar entrevistas, como fez com Bolsonaro”, destacou.
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Malafaia diz não ter o que temer e que não tem receio de Moraes
Silas Malafaia também tem feito críticas ao ministro Alexandre de Moraes em suas entrevistas recentes. O pastor tem dito que não se sente intimidado pelas medidas adotadas contra ele e negou qualquer envolvimento em atos ilegais. Malafaia tem reforçado que não foi intimidado pelo ministro, que manterá sua postura crítica e que isso não configura crime algum.
“Ele não foi indiciado ainda, está apenas na condição de investigado. Mas, como sofreu medidas cautelares, se ele as descumprir, pode até ser preso preventivamente. Nesse momento, nada indica que isso ocorrerá. Considero improvável a prisão agora, mas não se pode descartar novas medidas cautelares”, avaliou o também constitucionalista André Marsiglia.
Analistas avaliam que o cenário atual segue revelando um ambiente de tensão crescente entre o STF e setores conservadores, com pouca perspectiva de pacificação. Segundo Luiz Augusto Módolo, a PGR mantém o mesmo discurso sobre os chamados “atos antidemocráticos”, um tipo penal que, na prática, “poderia ser aplicado a uma ampla gama de condutas”. “Infelizmente, a PGR repete sempre a mesma cantilena, criando um conceito que pode abarcar qualquer comportamento que se encaixe na narrativa [de atos antidemocráticos]”, observou.
A análise ocorre em um momento particularmente sensível, já que nesta semana será a reta final do julgamento da suposta tentativa de golpe de Estado do Núcleo 1, aumentando a pressão política e jurídica sobre os envolvidos. “Qualquer manifestação mais pesada de Malafaia pode ser interpretada como ameaça”, avalia.
O criminalista Gauthama Fornaciari defende que o inquérito sobre suposta coação no curso do processo e outros delitos conexos “não possui justa causa” e, por isso, “deveria ser arquivado”, assim como analisa serem ilegais medidas cautelares e prisões vindas desse procedimento, o que inclui as cautelares já praticadas contra Silas Malafaia e que possam surgir a partir de um suposto crime de opinião.
FonteGazeta do Povo